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sexta-feira, 29 de janeiro de 2010
A revolta (da direita) contra a democracia liberal
Por Luiz Carlos Azenha
Aquela revista de futebol dos Estados Unidos, a Time, em um dos perfis que traçou do então presidente George W. Bush, encaixou o filhinho de papai da Nova Inglaterra transformado pela política em caubói do Texas, na linhagem dos revolucionários estadunidenses. Sim, dizia a revista, Bush não era um conservador tradicional. Não se preocupava com aquela facção do Partido Republicano que se orgulha de fazer concessões, ainda que minúsculas, às massas ou aos projetos doidivanas do liberalismo democrata.
Bush pai era desta cepa. Bush filho, não. Por oportunismo político e claras limitações intelectuais, optou por um certo "populismo de direita", do mesmo tipo daquele que viceja nos programas vespertinos policiais de nossa TV: o "conservadorismo com compaixão", inventado como veículo eleitoral pelo assessor de imagem Karl Rove, propunha soluções de mercado para as aflições sociais, jogo duro com o crime e um tom transformador na política externa.
O fato de que Bush filho se converteu adulto, "viu a luz" depois de enfrentar dramas pessoais, deu a ele credenciais para se apresentar como o candidato da direita religiosa, que é quem fez todas as campanhas bem sucedidas dos republicanos nos Estados Unidos: ela é militante, organizada, suficientemente ampla e geograficamente espalhada para produzir votos e eleitores em todo o país.
Por trás dessa construção eleitoral, no entanto, atuaram os grandes interesses econômicos que privatizaram completamente o estado americano -- ou pelo menos o que restava dele depois dos mandatos de Bill Clinton. Bush filho entregou as embaixadas americanas a amigos, enfraqueceu o Departamento de Estado, transferiu responsabilidades da política externa para o Pentágono, enfraqueceu todas as agências reguladoras, privatizou a segurança pública, as guerras e parte da diplomacia. Hoje, os "empreiteiros" que tiram proveito desses esquemas continuam à solta por aí, sem que se identifiquem abertamente como agentes de Washington, promovendo os interesses dos Estados Unidos em ações de "apoio" e "ensinamento" às sociedades civis locais.
É a crença nesse ativismo transformador que fez a Time dizer que Bush teve uma ação revolucionária. Ele queria, afinal, transformar o Oriente Médio, "implantar" uma democracia no Iraque que teria efeito dominó sobre todos os países da região. Bush queria acelerar a História e é curioso observar que, dentro dos Estados Unidos, não tenha propriamente desmantelado as estruturas estatais. Enfraqueceu algumas. Fortaleceu outras. O nexo entre os grandes conglomerados econômicos e o Pentágono se fortaleceu e o poder relativo dos militares e das chamadas agências de segurança aumentou.
A incentivar Bush filho estava a claque de intelectuais que se convencionou chamar de "neocons", um rótulo abrangente para um grupo diverso. Alguns dos mentores do movimento eram originários da esquerda trotskista e Leo Strauss, o filósofo cujas ideias embalaram o movimento, acreditava na eficácia da mentira como arma política, no papel preponderante de uma "vanguarda intelectual" motivadora, nutria um certo desprezo pelas "massas" e a crença na ordem natural marcada por domínio e subordinação. A democracia, portanto, não é um valor em si, mas algo a ser "concedido". Uma concessão que pressupõe uma elite intelectualmente superior, embora no modelo Bush tenha mandado mesmo o dinheiro grosso. Esse, aliás, é o padrão: o discurso político é uma forma de dissimulação dos verdadeiros objetivos políticos, como em "armas de destruição em massa".
Embora os republicanos tenham perdido o controle da Casa Branca, essas ideias não perderam força, até porque não falta dinheiro para promovê-las, nem espaço na mídia.
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