segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Cambio: sobre Ancora Cambial e Bandas Diagonais Endogenas

Alguns temas sao simplesmente hermeticos para a maioria dos mortais. E o caso da questao previdenciaria e dos calculos atuariais, de se temos ou nao rombos reiterados e qual o verdadeiro tamanho dos mesmos. O cambio vai pelo mesmo caminho. Deve ser fixo ou flutuante? Porque e tao dificil se chegar a um consenso nesta seara. Sera que o problema sao os rentistas, aqueles que dominam o mercado financeiro e que representam o norte ideologico dos que comandam as acoes do Banco Central? Com tantos misterios dificil chegar a uma conclusao satisfatoria. Neste caso nao podemos prescindir dos especialistas. A titulo de ilustracao reproduzo a seguir um artigo de 2008 do Joao Paulo Kupfer que descreve o periodo critico da era FHC sobre a questao da depreciacao cambial e de como o governo foi atropelado por este problema.



Cambio Flutuante: FHC nao fez, foi Atropelado.
por Joao Paulo Kupfer

Na excelente entrevista ao jornalista Ricardo Kotcho, publicada aqui no IG, no fim de semana, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso insiste na fabulação de que a mudança do regime cambial foi uma ação deliberada de seu governo. Quando perguntado do que se arrependia, FHC declara que “poderia ter tentado a mudança no sistema de câmbio antes”. E completa: “deixei para fazer isso no começo do segundo mandato” (clique aqui para ler a íntegra da entrevista de FHC a Ricardo Kotscho).

Quem olha para os oito anos de governo de Fernando Henrique Cardoso – e para as conseqüências deles – sem óculos ideológicos ou partidários não pode ter nenhuma dúvida de que o resultado em favor da consolidação da democracia, da estabilidade dos preços e, enfim, do progresso do País, é maior do que os problemas que deixou ou deixou de atacar. Mesmo com o mau passo da reeleição imposta em causa própria e os transtornos do apagão de energia, o saldo do governo FHC é positivo.

Por isso mesmo, a insistência de FHC na fábula da mudança cambial sob controle e decisão eletiva do governo só se explica pelo desejo, compreensível até, de escrever a história do seu período de governo também de óculos – estes com lentes cor-de-rosa. A mudança do regime cambial ocorreu nem faz 10 anos e está relativamente fresca na memória de muitas testemunhas do acontecido. Com todo o respeito ao ex-presidente, é no mínimo improvável a versão de que a mudança demorou porque, no governo, temia-se a volta da inflação. É claro que se temia a volta da inflação, mas esse não pode ser tomado como o único argumento do erro monumental.

OK, pode-se até não dizer que a insistência no câmbio fixo, depois da crise russa, a partir de agosto de 1998, nada tinha a ver com a reeleição, ainda que houvesse uma eleição no meio do caminho e FHC estivesse lá, concorrendo à reeleição. Mas não há como acreditar que a mudança do regime cambial teve data escolhida e planejada. Por mais que FHC repita a versão que repetiu a Kotcho, o câmbio mudou porque realmente a economia tinha quebrado e não havia dólares para sustentar o câmbio fixo. A fatalidade do calendário eleitoral, que marcava uma eleição presidencial bem no meio da crescente turbulência na economia, teve, obviamente, papel relevante e não pode ser jogada no lixo da História.

Falam por si os acontecimentos da época. Em agosto, a Rússia declarou moratória. O Brasil, com uma dívida externa superior a US$ 200 bilhões, já havia passado por remelexos nas crises do México, em 1995, e da Ásia, dois anos depois, mas conseguira, co m juros altos, acumular reservas de US$ 60 bilhões. O câmbio, abaixo de R$ 1,20 por dólar, garantia inflação no chão, mas, de outro lado, abria rasgos assustadores na balança em contas correntes. No fim daquele ano, o saldo negativo em contas correntes alcançaria o recorde histórico de US$ 33,5 bilhões.

Foi nesse ambiente, em que se desenvolvia a campanha eleitoral, que teve início novo e avassalador ataque especulativo contra a moeda brasileira. Para sustentar a moeda em torno de R$ 1,20, o Banco Central queimou, em três meses, US$ 30 bilhões. Quando o regime de câmbio fixo muda para um outro, de bandas cambiais limitadas, em 13 de janeiro de 1999, as reservas não chegam a US$ 20 bilhões. O que vai garantir um mínimo de ordem ao mercado é um empréstimo emergencial monstro, de US$ 41,5 bilhões, negociado com o FMI e fechado nos últimos dias de 1998.

Mesmo com um quadro quase caótico no mercado cambial, o governo, diferentemente do que insiste em contar o ex-presidente, ainda tentará uma saída de nome estranhíssimo, para fugir do câmbio flutuante – e, sem dúvida, do medo de uma escalada inflacionária, a partir de uma maxidesvalorização sem controle. Francisco Lopes, então diretor do Banco Central, vai substituir Gustavo Franco, em 12 de janeiro. Saem Franco e o câmbio fixo, entram Lopes e a “banda diagonal endógena”, uma fórmula para afrouxar o câmbio, mas ainda mantê-lo dentro de uma faixa limitada de flutuação.

A cotação do dólar sai de R$ 1,21 no dia 12,para R$ 1,32 no dia seguinte. No dia 20,já está em R$ 1,58. Quando janeiro termina, um dólar valia R$ 2 – em menos de 20 dias, uma desvalorização de 65%.

A pirotecnia não funcionou e o real continuava desvalorizando. Lopes e sua banda diagonal só duraram até o fim do mês.

O câmbio flutuante, finalmente, atropelou o governo e este jogou a toalha. O resto é história, que cada um conta como quiser.

Leia mais...

Nenhum comentário:

Postar um comentário