sábado, 10 de abril de 2010

Direto da Redação: AS CONSEQUÊNCIAS DA CHUVA

Por Mair Pena Neto

Criticar autoridades em período de tragédia é fácil. De fato, elas têm grande responsabilidade pelas conseqüências terríveis de chuvas como as que se abateram sobre o Rio de Janeiro esses dias, mesmo que o volume tenha sido tanto e as condições da cidade, tão particulares, que nem o melhor dos administradores teria evitado que algo de ruim acontecesse.

Mas a dimensão poderia ter sido bem menor se houvesse uma política de prevenção, manutenção e de ação para socorrer as vítimas. Tudo isso parece faltar. Mas numa hora dessas é preciso observar as reações da sociedade quando se fala em retirar as pessoas das zonas de risco e colocá-las em condições dignas de moradia.

Recentemente, li que uma antiga fábrica da CCPL, no subúrbio do Rio, abandonada e ocupada há uma década, será substituída por um projeto habitacional para famílias de baixa renda do programa “Minha casa, Minha vida”. Serão construídos 40 novos prédios, com apartamentos de dois quartos e varanda, e área de lazer no entorno, com praças e quadras esportivas.

Passei diversas vezes em frente a esta fábrica e constatei as condições degradantes dos que lá viviam. Por se tratar de uma fábrica, não tinha as divisões de apartamentos, e famílias separavam seus espaços com pedaços de pano. Assim como a ex-fábrica da CCPL, comunidades importantes do Rio de Janeiro, como Rocinha, Manguinhos e Alemão, estão sendo atendidas por obras, que incluem remoção de áreas de risco e urbanização para inclui-las na cidade formal.

Estes são projetos importantes para as populações marginalizadas do Rio, e sua inclusão também irá reduzir a quantidade de tragédias nas chuvas que costumam abalar periodicamente a cidade. Mas setores da política brasileira tratam o PAC, programa que congrega estas obras, como peça de ficção e anunciam o seu fim caso cheguem ao poder.

A mídia aliada a esses segmentos também detona o programa, como fez o Estadão em editorial contra o PAC 2: “A maior parte do programa não passa de um amontoado de restos do PAC 1, de promessas destinadas a seduzir uma parte do eleitorado urbano: mais casas, transporte, água, luz, saneamento e outros serviços essenciais. Anunciaram-se 2 milhões de moradias, o dobro do número previsto no programa Minha Casa, Minha Vida, ainda quase todo no papel.”

E não é exatamente isso que se quer? Ou os serviços essenciais só devem se destinar a uma parte da população. O PAC 2 tem entre seus projetos o Cidade Melhor, com o objetivo de enfrentar os principais desafios das grandes aglomerações urbanas e prevê 57 bilhões de reais para obras de saneamento, contenção de encostas e drenagem.

Um projeto como esse deveria ser saudado e a sociedade convocada a acompanhá-lo de perto para que cumpra os seus objetivos e não fique no papel, como afirma o editorial. A sua não realização seria uma perda para as metrópoles brasileiras que agonizam com a falta de mobilidade urbana, a violência e a exclusão social. Se nada for feito, na próxima chuva será a mesma tragédia. E aí, não adianta culpar os políticos e se eximir das responsabilidades.


http://www.diretodaredacao.com/

Mortos no RJ passam de 200; há ao menos 100 soterrados

Da Reuters


RIO DE JANEIRO (Reuters) - Bombeiros resgataram nesta sexta-feira mais dez corpos de vítimas do enorme deslizamento provocado pelas chuvas no Morro do Bumba, em Niterói, elevando para 212 o número de mortos da tragédia no Estado.

Ao menos mais 100 pessoas estariam soterradas debaixo da montanha de terra que derrubou dezenas de casas, de acordo com o governador Sérgio Cabral (PMDB).
"São cerca de 100 a 150 corpos, segundo o pessoal do Corpo de Bombeiros me passou. A situação é estarrecedora", disse Cabral a jornalistas em visita ao Morro do Bumba, onde conversou com moradores e familiares de vítimas.

"A responsabilidade pelo que aconteceu aqui é de todos nós, autoridades e sociedade", acrescentou.
O Corpo de Bombeiros e a Defesa Civil trabalham desde a noite de quarta-feira no local, onde o deslizamento soterrou dezenas de casas numa área construída sobre um lixão. Até a noite de sexta foram retirados 27 corpos do local e os trabalhos devem durar de duas a três semanas, de acordo com as autoridades.

Em Niterói, a cidade mais atingida pelas chuvas, já morreram 132 pessoas por conta do temporal que começou na noite de segunda-feira. Outras 60 pessoas morreram na capital, a maioria também em um deslizamento de terra que cobriu várias casas no Morro dos Prazeres, em Santa Teresa.
O prefeito de Niterói, Jorge Roberto da Silveira (PDT), decretou estado de calamidade pública, e a prefeitura informou que vai custear o enterro de todas as vítimas da tragédia. Somente na quinta-feira foram enterradas 45 pessoas na cidade.

O governador anunciou que dois hospitais de campanha serão instalados na segunda-feira em São Gonçalo, município vizinho de Niterói onde morreram 16 pessoas, para atender as vítimas atingidas pelas chuvas na região metropolitana.

O governo dos Estados Unidos informou nesta sexta que vai enviar uma ajuda de 50 mil dólares às mais de 50 mil pessoas que ficaram desabrigadas ou desalojadas com a tragédia para a compra de kits higiênicos.
"Queremos expressar nossas condolências e oferecer nosso apoio ao povo do Rio de Janeiro durante esse período de dificuldade e mostrar nosso respeito pela força e pela perseverança do espírito fluminense na figura dos socorristas envolvidos no resgate daqueles afetados por essa tragédia", disse o embaixador Thomas Shannon em nota.

O papa Bento 16 também enviou mensagem à Arquidiocese do Rio de Janeiro prestando sua solidariedade às vítimas. "Para todos os provados por este drama... Sua Santidade Bento 16 invoca reconfortantes graças divinas em penhor das quais lhes concede paterna benção apostólica."

SURFE

No litoral da capital fluminense, ondas de até quatro metros de altura interditaram uma das vias da Avenida Atlântica, em Copacabana, que foi tomada pela areia e pela água do mar. A ressaca também provocou a interdição de uma faixa do Aterro do Flamengo, via expressa que faz a ligação entre a zona sul e o centro da cidade.

O mar da Baía de Guanabara também ficou bastante agitado e a água invadiu parte da cabeceira da pista do Aeroporto Santos Dumont, prejudicando parcialmente as operações no local. A travessia de barcas e catamarãs entre Rio de Janeiro e Niterói também foi afetada pelo mar agitado.

Dezenas de surfistas aproveitaram as condições atípicas do mar de Copacabana para se aventurar nas ondas. "A onda tem característica como se fosse oceânica. É preciso até uma prancha maior para poder surfar", disse à Reuters TV o surfista amador Marco Aurélio Souza, de 38 anos.

A previsão do tempo indica que a maré ainda deve subir mais, após a passagem de ciclone extratropical perto do litoral do Rio. "Hoje é o dia dos surfistas, até porque a população sabe que o mar está perigoso e não vai se arriscar", disse um salva-vidas na praia.

O prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PMDB), autorizou a remoção compulsória de moradores de 158 locais que estariam em situação de emergência na cidade.
Nesta semana, Paes já havia anunciado que a prefeitura iria remover de 1.500 a 2.000 famílias da Rocinha e do Morro dos Prazeres, em Santa Teresa. A remoção, segundo o prefeito, será feita com ou sem o consentimento dos moradores.
(Por Pedro Fonseca e Rodrigo Viga Gaier; com reportagem de Sérgio Queiroz da Reuters TV)

India Times: Lula, “o cara”

do blog do Azenha


Why Lula Is The Man
Shobhan Saxena, Apr 9, 2010, 12.00am IST
do Times da Índia, via twitter do Tão Gomes Pinto

Brasília — Recentemente, a secretária de Estado dos Estados Unidos Hillary Clinton pressionou o presidente brasileiro Lula da Silva para que o Brasil se juntasse aos Estados Unidos na imposição de novas sanções contra o Irã. Lula rebateu Clinton dizendo que “não é prudente empurrar o Irã contra a parede”. Não é o que Clinton gostaria de ter ouvido de um país que tem um dos assentos não permanentes no Conselho de Segurança das Nações Unidas e faz lobby por um assento permanente.

Subsequentemente, em Tel Aviv, Lula chocou líderes israelenses por se negar a visitar o túmulo do pai do sionismo, Theodore Herzl. Em maio, Lula vai ao Irã para se encontrar com o presidente Ahmadinejad, uma decisão que jornais dos Estados Unidos descreveram como “não representativa de um país que aspira ser considerado um igual entre os líderes do mundo”. Lula está agindo como um líder mundial?

Caçoado pelos comentaristas do Brasil por sua gramática imprecisa, Lula se tornou um hit no palco mundial com seu estilo de homem comum. Na cúpula financeira sobre a crise global em Londres, no ano passado, ao ver Lula o presidente Barack Obama gritou: “Lá está o meu cara. Eu amo esse cara. Ele é o político mais popular da terra”. As declarações de Obama foram feitas apenas alguns dias depois do brasileiro ter atribuído a crise global ao “comportamente irracional dos brancos de olhos azuis que antes da crise pareciam saber tudo sobre economia”. As declarações de Lula fizeram a elite brasileira ranger os dentes.

A nove meses de deixar o poder, Lula viaja o mundo atacando a ONU pelo “sistema de castas”, o mundo rico em Copenhagen e em campanha por um maior papel global para “poderes emergentes” e pregando o “diálogo” com o Irã. Isso fez alguns observadores ocidentais se perguntarem se ele está seguindo os passos de Hugo Chávez como “gladiador da batalha antiimperialista”.

Nada mais distante da realidade. Lula se tornou um herói em casa e um estadista no mundo por razões genuínas. No Brasil, sua taxa de aprovação está em 76%, um recorde para um presidente em fim de mandato. Sua conquistas domésticas foram sem precedentes: desde 2003, ele mais que dobrou o salário mínimo para o equivalente a 300 dólares, ajudou a tirar 20 milhões de brasileiros da pobreza e derrubou a dívida pública para 35% do PIB (de 55%).  No ano passado, os reais brasileiros foram a quinta moeda com melhor performance do mundo, a inflação caiu para 4% e o país navegou pela crise econômica mundial quase sem danos.

Graças aos programas sociais de Lula, os maiores beneficiários do crescimento foram os pobres para os quais o presidente, que cresceu engraxando sapatos e dividindo um quarto com a mãe e oito irmãos, é um símbolo de esperança. A popularidade de Lula é tão grande que ele até recebeu crédito pela descoberta de petróleo na costa do Brasil.

O país pode se tornar em breve o terceiro maior produtor de petróleo do mundo e Lula já anunciou planos para gastar a renda do petróleo com programas contra a pobreza.
Naturalmente, Lula cometeu erros. Houve escândalos no governo e ele tem sido criticado pela esquerda do Partido dos Trabalhadores por ter se movido “muito para o Centro”. Mas ninguém questiona sua maior conquista: o posicionamento do Brasil no mundo. Lula converteu o músculo econômico em influência global ao promover o comércio “sul-sul” e crescentes ligações políticas com países em desenvolvimento. O que explica suas posições sobre o Irã, com o qual o comércio do Brasil cresceu 40% desde 2003. A química com Ahmadinejad é tão boa que Obama pediu ao Brasil que medie as relações do Irã com os Estados Unidos, algo que Lula adoraria fazer.  Na passagem por Tel Aviv, Lula sugeriu “alguem com neutralidade” para mediar o processo de paz no Oriente Médio. E ele não queria dizer Tony Blair.

Uma vez caçoado pela elite que bebe caipirinha em Copacabana, que “temia” que Lula poderia envergonhar o Brasil no exterior, o ex-operário metalúrgico tem demonstrando um domínio sólido da política externa. Durante seu primeiro mandato, ele trabalhou por relações mais próximas com a Índia, a China e a África do Sul.

Hoje a China, não os Estados Unidos, é o maior parceiro comercial do Brasil. Jogando um papel crucial na criação da IBSA e da BASIC, dois grupos envolvendo o Brasil, a Índia, a China e a África do Sul, Lula se tornou a voz mais forte das nações emergentes em questões globais como as mudanças do clima e a crise financeira. Com o movimento dos não-alinhados morto, esses grupos se tornaram a voz da Ásia, da África e da América Latina em questões globais. Descrevendo Lula como “uma referência para os países emergentes e também para o mundo em desenvolvimento”, em 2009 um importante jornal francês escolheu Lula como “homem do ano”.

Lula é o homem do momento porque ele seguiu uma fórmula simples, a de reforçar a economia doméstica, desligando o sistema financeiro do Brasil dos Estados Unidos, cultivando relações com países emergentes e seguindo uma política externa independente. E é por isso que ele pode falar o que quer em qualquer assunto.
Chamem de sorte, mas a falta de líderes carismáticos em outras nações emergentes também ajudou.  Hoje, a China e a Índia são lideradas por tecnocratas, não por líderes de massa, a África do Sul não produziu um líder conhecido desde Nelson Mandela e o presidente da Rússia Vladimir Putin não tem as credenciais democráticas. Neste cenário, Lula agarrou a oportunidade com as duas mãos. Um líder indiano com imaginação poderia ter escrito este papel para si próprio.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Soldadores Brasileiros: De Volta para o Brasil

A notícia é muito boa e, quem sabe, é sinal de novos tempos para o Brasil. Agora, soldadores brasileiros de estaleiros no Japão fazem o caminho de volta pra o Brasil, especificamente para trabalhar no estaleiro Atlântico Sul, em Suape. A necessidade de mão de obra qualificada e as condições de trabalho foram atrativos para que este movimento se consolidasse. Bom que este movimento se repetisse em outros setores da economia nacional.

Brava Gente Brasileira
por Élio Gáspari
o Globo

A repórter Angela Lacerda trouxe uma das melhores notícias da vida nacional dos últimos tempos: para a construção de seus navios, o Estaleiro Atlântico Sul, de Suape, foi buscar no Japão trabalhadores brasileiros qualificados. Já trouxe 82 e deverá trazer 200. Pela primeira vez, desde o final do século passado, quando a ruína nacional levou milhões de brasileiros a emigrar, registra-se um movimento inverso.

É notícia boa em estado puro. Em primeiro lugar, porque os navios da Petrobras estão sendo fabricados em Pindorama. Como faltam operários especializados no mercado brasileiro, uma indústria pode ir ao Japão buscar trabalhadores que deixaram o país em busca de oportunidades. Se a Petrobras continuasse comprando os seus barcos e plataformas no exterior, um estaleiro nacional jamais precisaria de soldadores. Aliás, nem de estaleiro se precisaria. (O EAS tem uma encomenda de 22 navios e do casco da plataforma P-55.)

Um soldador de estaleiro japonês ganha o equivalente até R$9 mil, não tem expectativa de carreira, nem direitos semelhantes aos dos nativos. O EAS paga na mesma faixa e lhes devolve a cidadania trabalhista. No Japão há 280 mil brasileiros, chamados de dekasseguis, descendentes dos imigrantes que chegaram a São Paulo a partir de 1908.

As décadas perdidas espalharam 3 milhões de brasileiros pelo mundo. Eles batalham nas mais diversas ocupações, quase sempre submetidos a regimes de exploração. Como diria Nosso Guia, nunca na história do nosso país acontecera coisa semelhante.

http://oglobo.globo.com/pais/moreno/posts/2010/03/17/brava-gente-brasileira-275278.asp

Conservadorismo e reacionarismo: a Mídia e o Atraso.

Repetir que o papel da imprensa é fundamental em qualquer regime democrático é deixar-se cair no lugar comum. Então vamos além: a imprensa é também fruto do seu tempo. Das forças que se embatem pela ocupação do espaço na sociedade em que existem e atuam. E aí temos os valores: quais norteiam o agir da imprensa, da mídia em geral? Sob esta ótica verificamos que no Brasil de hoje a chamada grande mídia, formada pelos principais e mais poderosos grupos de comunicação, se associaram ao poder, principalmente aqueles mais conservadores, avessos a mudanças que, embora tragam benefícios à sociedade como um todo, jamais poderiam ser implementadas sem que passassem pelo crivo de seu valores, cujo centro gravita em torno do mercado financeiro e a ideologia que sempre o sustentou. Mas há outros valores que também fazem parte da estrutura conservadora da mídia e que foram deixados em segundo plano quando da assunção de um governo dito popular ao poder. Eles formam a chamada linha xenofóbica de uma elite que tem imensa dificuldade em dividir e distribuir renda, simplesmente porque as classes menos abastadas sempre foram virtualidades anuviadas pela idéia do "bom brasileiro", gentil e izoneiro, pacifico e bonito por natureza, ainda que de carne e osso e tão humano quanto qualquer outro na face da Terra. Desde que não atrapalhassem o exercício do poder, este com foco na religião do mercado, da auto-regulação, da superioridade do capitalismo sob todos os aspectos, do Estado eficiente para agir como um gerentão deste mesmo mercado. Ficassem por ali, quietinhos, aguardando que o Estado e o mercado sob os auspícios do neoliberalismo chegassem até eles para ensiná-los a pescar. Jamais dar o peixe! Mas como aprender de barriga vazia? Vez por outra um desses índices da ONU vinha lembra que não tinhamos saído do lugar e que precisaríamos de mais empenho para que os indicadores sociais melhorassem. A imprensa noticiava, dava a versão do governo amigo, e depois voltavam, associados, a seus negócios. Hoje a religião do mercado está em queda livre, a regulação é a tônica da vez, a dita grande imprensa, no Brasil, foi apeada do poder, mas os gritos dos seus valores permanecem bastante vivos, a reclamar de um passado que não mais voltará, não da forma como era, até porque no afã de salvaguardar seus interesses perderam aquilo que deveria ser considerado como um dos ativos mais caros a um órgão de comunicação: a credibilidade. O texto a seguir é de Washington Araújo, via Carta Maior, e trata desta temática, incluindo a capacidade da imprensa de produzir escândalos, de menosprezar avanços socias preferindo desqualificá-los, a criminalização de movimentos sociais, entre outros aspectos.

Paixão conservadora pelo obscurantismo
A grande mídia sente uma atração fatal pelas forças do atraso, pelo endeusamento do mercado, pela negligência dos direitos dos oprimidos. O conservadorismo chega a ser um estilo de vida, uma forma de lutar contra qualquer forma de inclusão, seja social, cultural, digital.
Washington Araújo


Jornais e revistas de grande circulação, redes de TV e rádio com os maiores índices de audiência continuam se alinhando com as forças do atraso, mesmo em seu momento de maior refluxo. Em um tempo em que o mercado demonstra ser incapaz de prover solução aos graves problemas que afligem a maior parte da população, esses veículos parecem inteiramente desnorteados ao ver seu prestígio, poder de influência e capacidade de influenciar opiniões em franco declínio.

Se há dez ou quinze anos um escândalo tinha sempre sobrevida para freqüentar as capas das revistas semanais, primeiras páginas dos jornalões e lugar de destaque na escalada dos maiores telejornais da noite, hoje os escândalos têm vida curta, começam como pequenas ondas e, como elas, terminam sem nunca alcançarem o apogeu. Acontece que escândalos fabricados nascem com prazo de validade vencido. E se conseguem repercutir por três dias, uma ou duas semanas, já é um feito e tanto. O expediente, de tão usado, perdeu o impacto; as pessoas comuns torcem a boca, esboçam sorriso maroto e nem se dão mais ao trabalho de acompanhar a história.

Tema vital
O conservadorismo mostra sua cara quando insiste em menosprezar a legitimidade de, por exemplo, o Bolsa Família. E o rotula como Bolsa Esmola, Bolsa Mendicância e Bolsa Vagabundagem. E apresenta-se de corpo inteiro quando rechaça políticas de ação afirmativa como a de garantir aos afrodescendentes, aos índios, aos ciganos, facilidades para o acesso à educação universitária.

Como muitos medicamentos, o conservadorismo tem como princípio ativo o olhar de soberba, de cima para baixo, a não aceitação que o pessoal do andar de baixo tem os mesmos direitos que os do andar de cima, que a lei é soberana para todos e que a esta todos devem se submeter. O conservadorismo chega a ser um estilo de vida, uma forma de lutar contra qualquer forma de inclusão, seja social, cultural, digital.

A mídia potencializa o conservadorismo quando criminaliza movimentos sociais e interdita o debate sobre liberdade de expressão criando cortinas de fumaça em torno do que deseja, realmente, preservar. E o que ela anseia com todas as suas forças e meios nada mais é que perpetuar a concentração da propriedade dos meios de comunicação, mantendo como cláusula pétrea de sua atividade a compreensão de que, ao contrário do que reza a Constituição federal, não compete ao Estado lançar seus olhos sobre os meios de comunicação que atuam no segmento do rádio e da televisão.

Em outras palavras, pode-se afirmar que qualquer mudança no modus operandi do Estado em relação a este tema vital para a sociedade seria visto como crime de lesa-pátria. Há que se manter aquele conceito de propriedade vigente por tanto tempo à época do Brasil Colônia – o das sesmarias.

Interesses ocultos
Não podemos esquecer que a grande mídia sente uma atração fatal pelas forças do atraso, pelo endeusamento do mercado, pela negligência dos direitos dos oprimidos. No caso do Brasil, estou bem convencido que a grande mídia brasileira é...

** ... a mesma mídia que foi contra o governo de Getúlio Vargas e seu projeto nacionalista e popular, levando-o ao suicídio;

**... a mesma mídia que se posicionou fortemente contra o governo de Juscelino Kubitschek;

**... a mesma mídia que apoiou o golpe militar de 1964;

**... a mesma mídia que apoiou a ditadura (e hoje tenta reescrever a história dizendo que foi contra a ditadura ou ocultando que lhe foi favorável);

**... a mesma mídia que abafou a inspiradora campanha das "Diretas já!", engolfando o Brasil de norte a sul;

**... a mesma mídia que na eleição de 1989 tentou convencer a população que o Lula e o PT eram responsáveis pelo seqüestro do empresário Abílio Diniz;

**... a mesma mídia que apoiou Fernando Collor e editou o debate final naquela eleição em favor dele;

**... a mesma mídia que abafou a crise econômica e o fato de que o Brasil estava quebrado durante a eleição de 1998, favorecendo decisivamente a reeleição do presidente;

**... a mesma mídia que publicou ficha apócrifa de Dilma Rousseff como se fosse original dos arquivos da ditadura;

**... a mesma mídia que assacou de forma impiedosa contra a honra e os valores morais do presidente da República no sórdido episódio protagonizado por Cesar Benjamin;

**... a mesma mídia que boicotou solenemente (e desmereceu) a 1ª Conferência Nacional da Comunicação, e que apoiou de maneira irrestrita e apaixonada o 1º Fórum Democracia & Liberdade de Expressão, patrocinado por seu Instituto Millenium;

**... a mesma mídia que se aproveita da liberdade democrática para servir a interesses ocultos, geralmente manipulando as informações e o conhecimento, visando produzir apenas indivíduos dotados de opiniões, não de conhecimento, nem de sabedoria.

Estrago irremediável
O debate que interessa às massas da humanidade mudou de eixo há mais de 20 anos. Enquanto corpos editoriais foram conservados no formol do falso intelectualismo, o mundo girou e a Lusitana – aquela famosa empresa carioca de mudanças – rodou muito. Só a mídia não viu. Ou não quis ver. Ou se fez de rogada.

O leitor escolhe a situação. A grande imprensa divulgou o momento mesmo em que foi derrubado o muro de Berlim, mas não captou o evento em sua inteireza, em sua magnitude. Com a queda do reboco do infausto muro o mundo se libertou da opressão ideológica e mesmo que o capitalismo tenha se autodeclarado vencedor, a verdade é que não houve vencedores, apenas vencidos. Há muito que o capitalismo deixou de prover soluções duradouras para a manutenção da paz no mundo, há muito que o sistema renunciou à missão de saciar a fome que aprisiona 2/3 da espécie humana, há muito que se esvaziou o papel da Organização das Nações Unidas como símbolo de equilíbrio da ordem mundial.

Nada disso foi manchete porque nada disso foi notícia para um jornalismo ávido por sensação e alheio a percepções; para uma mídia ciosa por manter seu próprio muro de Berlim, tão bem simbolizado por seu extremo partidarismo, por sua cruel parcialidade na hora de decidir o que pode e o que não pode ser tratado como notícia.

Essa mídia, que tantas vezes avocou para si a missão de tribunal plenipotenciário e que deveria ter por obrigação informar a população, assume a missão de julgar e condenar desafetos políticos, lançando na fogueira da cobertura jornalística precária e tendenciosa pessoas que deram o melhor de si para construir um país mais justo. Do mesmo jeito como atuaram no escabroso caso da Escola de Base, em São Paulo. Ali tudo teve início, é bom recordar, para não esquecermos do quão abusiva pode ser a mídia, quando "duas mães de alunos dessa escola deram queixa na delegacia de que seus filhos de quatro e cinco anos estariam sendo molestados sexualmente na escola, e talvez, levados numa Kombi para orgias num motel, onde seriam fotografados e filmados". O delegado de plantão, não apenas acolheu a denúncia como teve a iniciativa de alardear junto à imprensa o teor da denúncia demolidora, antecipando uma condenação dos donos da Escola Base, Maria Aparecida Shimada e seu marido, Icushiro Shimada.

Resumo da história: só no final do inquérito, dez anos depois, os proprietários foram declarados inocentes.

Neste caso específico com exceção do jornal Diário Popular, fizeram parte da onda acusatória contra os proprietários e funcionários da Escola Base a Folha de S.Paulo, O Estado de S.Paulo, SBT, TV Globo, Veja, TV Record, Rádio e TV Bandeirantes e IstoÉ. Escrevendo sobre o caso, o psicanalista Raimundo de Lima destacou que "as indenizações obtidas por danos psicológicos, morais e materiais não conseguirão reverter o que eles perderam de saúde, de dignidade, de imagem pessoal e profissional limpa perante a sociedade. Não conseguirão reaproximar casais, pais e filhos e amigos, todos afastados pela contaminação do veneno da delação e da acusação vazia".

Lições de Reich
A execração pública dos proprietários da Escola Base foi um dos episódios mais perversos protagonizados pela grande imprensa brasileira. O caso mostrou à larga quão insidiosa pode ser a imprensa quando descuida de seu dever básico – a busca da verdade. Guardando-se as proporções, o sofrimento causado aos donos da Escola Base guarda paralelos com aquele sofrido pelo capitão Alfred Dreyffus, na França, no limiar do século 19. Neste episódio as honras da justiça foram feitas por um cidadão extraordinário, o escritor Émile Zola. A ele, tão somente, coube a missão de reconstruir os pilares da justiça e seu libelo "J´Accuse!" (Eu acuso!) é uma das mais instigantes peças jamais escritas em defesa da justiça e da liberdade humana. Conta-se que, ao insurgir-se contra a imprensa francesa e contra as forças armadas da França, Zola dedicou o melhor dos seus talentos, seu tempo, suas finanças, sua saúde. E é fato que enquanto na fria madrugada parisiense uma luz bruxuleava (sempre quis usar esta palavra!) no andar térreo da casa do notável escritor, isso era sinal de que a consciência da França estava acesa.

Deixemos São Paulo e Paris de lado e voltemos ao tema. Pois bem, não se trata de ser de direita ou de esquerda porque essa discussão há muito passou a se assemelhar àquelas infindáveis discussões para saber qual era o sexo dos anjos. O debate atual – e aquele que realmente importa – é o existente entre os que têm (educação superior, cargos, títulos, riqueza) e os que não têm (saneamento básico, educação formal, emprego). Neste debate o papel da imprensa é crucial. Porque precisamos tratar mais do mundo que queremos do que do mundo que temos. Pensar hoje nas gerações futuras. Mas como fazer isso se, lamentavelmente, sabemos quão conservadora é a nossa grande imprensa, quão imediatista, quão dissociada da defesa dos valores humanos ela vem se mostrando?

O austríaco Wilhelm Reich (1897-1957), considerado gênio por alguns e louco por outros, foi o maior revolucionário da Psicologia do século 20. Pioneiro da revolução sexual, precursor dos movimentos ecológicos e da psiquiatria biossocial, Reich desenvolveu também artefatos usados na cura do câncer e na diminuição dos efeitos negativos da energia nuclear. É dele uma frase que tem me incendiado a imaginação sempre que me ponho a pensar sobre a mídia que temos e aquela que gostaríamos de ter. Eis a frase:

"Cada ato mesquinho nosso faz retroceder mil passos qualquer esperança que possa restar quanto ao nosso futuro".

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Brasil oferece investimentos sem precedentes à Bolívia

Da Reuters


Por Carlos A. Quiroga
LA PAZ (Reuters) - O governo brasileiro ofereceu nesta quarta-feira à Bolívia enormes investimentos públicos e privados para industrializar recursos naturais e desenvolver a infraestrutura, num sinal de maior aproximação entre os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Evo Morales.
O pacote, do qual não foram revelados valores, foi apresentado a Morales pelo Assessor para Assuntos Internacionais da Presidência, Marco Aurélio Garcia, e por executivos de empresas públicas e privadas, como Petrobras, Braskem, Eletrobrás, Vale e pelo menos três construtoras.

"Não nos interessam novos Patiños aqui, que façam grandes buracos na Bolívia enquanto não criam empregos, não transmitem riqueza, não diversificam a economia boliviana", afirmou Garcia depois de almoçar com Morales, crítico feroz da "exploração neoliberal" dos recursos naturais.
O assessor de Lula se referia a Simón Patiño, empresário local da mineração na primeira metade do século 20, que se tornou um dos homens mais ricos do mundo graças à exploração de estanho no agora miserável Altiplano boliviano.

"O que nos interessa é uma Bolívia cada vez mais industrializada, cada vez mais desenvolvida", acrescentou Garcia.
O pacote levado pelos brasileiros representa um trunfo para Morales, três dias depois de uma eleição na qual seus candidatos conquistaram a maioria dos governos regionais, mas foram derrotados na disputa pelas principais prefeituras.

Questionado por jornalistas sobre o futuro da exportação de gás natural da Bolívia para o Brasil, garantida por contrato até 2019, Garcia reiterou o desejo brasileiro de manter tal comércio para além dessa data.
"A ideia é de que o Brasil continue importando gás da Bolívia para além das descobertas que possamos fazer no âmbito (das reservas petrolíferas) do pré-sal", disse ele.
"Não vamos prescindir de nenhuma maneira do gás boliviano, inclusive pelo fato de que a economia brasileira está crescendo, e quando uma economia cresce a demanda energética cresce."

A ministra boliviana de Planejamento, Viviana Caro, disse que Morales aproveitou o encontro para propor formalmente a criação de uma empresa multinacional para construir em território boliviano uma ferrovia que ligue o Brasil a um porto chileno do oceano Pacífico, facilitando assim a exportação de produtos brasileiros para os mercados asiáticos.
A ministra disse a jornalistas que os governos da China, Índia e Coreia do Sul também serão convidados.
"O trem está em etapa de estudo, não temos um custo final, mas já tivemos um par de expressões de interesse. É muito prematuro falar, mas (o investimento) seria obviamente importante", declarou ela.

Viviana afirmou que o pacote brasileiro de investimentos inclui uma indústria petroquímica da Braskem, já várias vezes anunciada, e a recém-divulgada intenção da Vale de explorar potássio e eventualmente lítio no salar de Uyuni, no Altiplano.
"O princípio de levar mais em conta aquelas propostas que permitam um maior grau de industrialização do país continua vigente, e pedimos (à Vale) que faça uma apresentação formal da proposta", acrescentou.
Garcia e Viviana disseram separadamente que a Petrobras também pretende realizar novos investimentos de prospecção e exploração de petróleo e gás na Bolívia.
Fontes governamentais locais haviam dito anteriormente que o investimento da Braskem alcançaria 2 bilhões de dólares, o dobro do que estaria destinado pela Vale ao salar de Uyuni.

O MST de Carne e Osso.

O texto da Maria Inês Nassif traz à baila informações sobre o MST da perspectiva do autor do livro “Combatendo a desigualdade social: o MST e a reforma agrária no Brasil”, Miguel Carter. Entre elas o fato de ser um movimento realizado, em sua quase totalidade, por pessoas pobres; de ter conseguido grandes avanços no que se refere a chamar atenação para a questão fundiária no país e criar uma rede solidária com escolas e até faculdade de ensino. A se repensar a negação do Estado pelo movimento, bem como o seu papel como agente atuante na vida institucional do Brasil, e ainda na formulação de políticas públicas ligadas à Reforma Agrária. É mais uma forma de se ver o Movimento sem o viés da criminalização, como se toda e qualquer voz contestadora só pudesse ter vez nos corredores do Judiciário ou, bem pior, em programas de auditório de gosto duvidoso da tv brasileira.

Do Valor
Nem demônio, nem anjo, mas ator social
Maria Inês Nassif
Via blog do Nassif


A técnica de discurso doutrinário, particularmente usada em situações históricas onde grupos de poder precisam de forte respaldo popular para seus projetos próprios, centra-se na repetição de “verdades” – verdades mesmo, verdades aumentadas ou simplesmente mentiras – que respaldem ideologicamente não apenas esses setores, mas convençam a um maior número de pessoas de que são verdades únicas, contra as quais não existe argumento racional. Essas verdades têm que ser apresentadas como dogmas, sob pena de não parecerem “a” verdade. Isso é muito usado eleitoralmente, mas não apenas nesses momentos em que o convencimento de parcelas majoritárias da população pode se converter em votos que respaldarão democraticamente um projeto de poder. Ela se incorpora à própria vida social quando o que está em jogo é uma disputa pela hegemonia.


O livro “Combatendo a desigualdade social: o MST e a reforma agrária no Brasil”, organizado por Miguel Carter – mexicano criado no Paraguai – professor da School of International Service da American University, em Washington DC, coloca em perspectiva o senso comum criado em torno do MST. Primeiramente, ele propõe que se deixe de lado dois exageros: da direita, que, no limite, equipara o movimento pela reforma agrária ao terrorismo; e o de esquerda, que o romantiza, superestimando a sua influência. Na introdução ao livro, que traz 16 artigos de autores variados, Carter relativiza uma e outra posição. O MST é um movimento complexo e duradouro, mas é uma “associação de pessoas pobres”, “opera com recursos limitados” e é susceptível a problemas de ação coletiva como qualquer outro movimento social. Não agrega mais do que 1% da população, nem chega a 5% da população rural. Não é bandido e não é mocinho: apenas um ator social sujeito a erros, mas que representa setores sociais expostos à miséria e vitimados por uma das piores distribuições de renda do mundo.

O MST tem dois grandes méritos históricos, segundo o autor: o de expor e desafiar enormes desigualdades de renda e fundiária do Brasil, internamente; e, externamente, de ter recolocado na agenda internacional a reforma agrária, depois da hibernação do tema no período pós-anos 80, quando a forte urbanização do Terceiro Mundo, o avanço tecnológico agrícola e a ascensão do neoliberalismo começaram a questionar fortemente a reforma agrária como política pública. E a forte reação interna de determinados setores sociais ao movimento responde muito mais ao que o MST expõe – um país com uma imensa concentração de renda e fundiária – do que propriamente pelo risco “revolucionário” que representa.

O movimento, de fato, tem um elevado grau de sofisticação de organização popular, registra Carter: estima-se “1,14 milhão de membros, mais de 2 mil assentamentos agrícolas, cerca de 1.800 escolas primárias e secundárias e uma escola de ensino superior, vários meios de comunicação, 161 cooperativas rurais e 140 agroindústrias”. Entre 1985 e 2006, conseguiu assentar seus integrantes em 3,7 milhões de hectares. Mas, embora o mais visível e organizado movimento pela reforma agrária – até 2006, tinha mais de um quarto dos 7.611 assentamentos do país -, não mantém a mesma proporção de participação na terra distribuída pelos governos. Segundo o organizador do livro, mais de 90% da terra distribuída entre 1979 e 2006 responderam a reivindicações de outros movimentos de sem-terras.

O outro mito seria o de negação do Estado pelo MST. As reformas agrárias, por definição, “implicam o envolvimento do Estado na reestruturação de relações de direito de propriedade”. Sem o Estado, isso só acontece em situações de guerra – mas, mesmo nessas ocasiões, o Estado deve sancionar o resultado da disputa. Também não existe reforma agrária se não houver demanda social por distribuição fundiária. Carter sugere que a execução de reformas agrárias acabem se constituindo numa articulação de impulsos do Estado – que sanciona – e da sociedade – que demanda. No caso do MST, o movimento articula as duas faces da reforma: as marchas e invasões normalmente são apenas um lado da mobilização, que se completa – e concretiza a reforma agrária – com a negociação com o Estado.

Outro dado que relativiza o poder de interferência na vida institucional do país, reproduzido pelo autor, é o de sua representação política, em relação à dos grandes proprietários rurais e do agronegócio. Segundo ele, de 1995 a 2006, a representação política média dos camponeses sem-terra e agricultores familiares foi de um deputado federal por 612 mil famílias. Os grandes proprietários rurais fizeram um deputado federal para cada 236 famílias – tiveram, portanto, uma representação parlamentar 2.587 maior que a dos sem-terra. Essa distorção decorre de uma precariedade de direitos políticos entre os pobres – a negação do direito do voto aos analfabetos até 1985, o clientelismo político, a prática de compra de votos e distorções de representação. O maior acesso dos latifundiários ao poder político resultou em acesso correspondente ao orçamento público: para cada dólar disponibilizado de dinheiro público aos sem-terra, foram liberados US$ 1.587 dólares para os maiores fazendeiros do país.

A realidade que se esconde nas amplificações do “perigo” do MST não é boa para o processo civilizatório brasileiro. Mesmo andando nos governos FHC e Lula – de forma “reativa, restrita e de execução morosa” – , a reforma agrária brasileira é, em termos proporcionais, uma das menores de toda a América Larina. A reforma feita entre 1985 e 2006 situa o Brasil no 15º lugar no Índice de Reforma Agrária da América Latina, dois lugares antes do último colocado. Um por cento dos proprietários rurais controla 45% de todas as terras cultiváveis do país, e 37% dos proprietários rurais possuem apenas 1% dessas terras (números de 2005 do Ipea).

Mauro Satayana: O Estado e as Forças Nautais

O texto de Mauro Satayana traz considerações sobre o papel do capitalismo e do Estado na degradação das condições naturais; sobre como sociedades mais justas conseguem, de alguma forma, serem "menos atingidas" pelos eventos da natureza e de como urge a elaboração de um novo modelo de produção, mais equilibrado e direcionado ao bem-estar de todos. As chuvas no Rio de Janeiro expõem - como em outros lugares, e como ocorreu no início do ano na mesma região -, o descaso das políticas públicas para com as pessoas mais necessitadas, a falta de planejamento quanto à ocupação do solo e da imensa dificuldade em resolver problemas já existentes, pelo aumento das ocupações irregulares e pela incapacidade do Estado em cumprir tal lei em face de "interesses" outros, observando-se que, como demonstrado pelos últimos acontecimentos em todo o mundo, há um limite que a própria natureza apressa-nos a mostrar que não deve ser ultrapassado, sob penas de vidas serem ceifadas. E este limite é continuamente ultrapassado. O resultado é o que vemos e sentimos. O que se exige é apenas bom senso e trabalho.

Por Mauro Santayana, no JBonline

A tempestade que se abateu, segunda-feira, sobre o Rio de Janeiro – em uma estação de natureza particularmente impiedosa no mundo inteiro – tem muitas explicações, todas elas válidas, e todas elas, até o momento, inúteis. Há que se registrar, em primeiro lugar, e sem a histeria imobilizadora de alguns fanáticos, a enlouquecida agressão destruidora do capitalismo. A busca do lucro sem limites destrói as montanhas, a vegetação e suas águas, seja para a extração mineral, seja para a especulação imobiliária, e trata os seres humanos como se coisas fossem.

O Estado, historicamente, tem sido servidor dessa ação depredadora. Mesmo antes do consumo alucinante de recursos naturais, na produção de energia e de artigos industriais, que se acelerou nos últimos 100 anos, o Estado dividia seus súditos em duas categorias. Uma, a dos bem nascidos, senhores, por direito de herança, do bem-estar e do mando; outra, a dos servos, cativos pela cor ou pela origem social. As favelas cariocas, como sabemos, nasceram em Canudos, com a desmobilização das forças que combateram Antonio Conselheiro, no fim do século 19.

Os veteranos das tropas legalistas vieram para o Rio, acamparam-se em um de seus morros, e, em seus descendentes e agregados históricos, continuaram a morrer, como no sertão baiano: a tiros, de fome, e, por fim, nos desabamentos. Ainda assim, tiveram mais sorte do que os vencidos em Canudos, mortos em combate e degolados os prisioneiros inermes, entre eles, mulheres e crianças, em um dos momentos mais abjetos da história brasileira.

Como o Rio não fosse exceção na ordem social de domínio, em todas as cidades, reproduziu-se o mesmo modelo de ocupação urbana e de exploração do trabalho. Em todas elas há, em dimensões equivalentes, os redutos da miséria, sem falar nos casebres dispersos nas regiões perdidas do interior. Há várias humanidades na Humanidade, e, em algumas delas, a vida, em lugar de ser uma graça, constitui terrível castigo.

Quando a Nêmesis da Natureza resolve exercer vingança contra os que a ofendem, pune mais os inocentes do que os culpados. Tivemos, nestes últimos meses, os grandes terremotos, como sofremos, em nossos semelhantes indonésios, o mais violento maremoto registrado pela História. O terremoto do Haiti foi impiedoso, porque impiedosos haviam sido os colonizadores espanhóis e franceses e, bem mais tarde, os homens de negócios norte-americanos. Foram dizimados os pobres: os poucos ricos, estrangeiros em sua maioria, salvaram a vida e o patrimônio.

No Chile, com todo sofrimento e destruição, os mortos foram relativamente poucos, porque, apesar de todos os males – e, nesses males, inclua-se Pinochet – os chilenos conseguiram construir uma sociedade mais justa. Os desastres naturais atingem qualquer lugar do mundo, e os sismólogos preveem abalos telúricos em várias regiões do globo, nos tempos próximos. É de se esperar que quanto mais pobres forem as áreas de ocupação, mais mortes haverá.

Durante os últimos 100 anos, moveu-nos a ilusão de que as cidades grandes eram mais seguras. Nos anos 40, o êxodo para os grandes centros foi explicado pelo desemprego e a segurança do salário mínimo, naquele tempo restrito aos trabalhadores da indústria. A iluminação pública também serviu de atração para os homens do campo. Nos anos 50, uma pesquisa da Arquidiocese de São Paulo revelou que a afluência dos pobres à grande capital era motivada, mais do que pelo emprego, pela assistência hospitalar. Era o medo de morrer à míngua, sem chance de cura, o principal fator da migração. Hoje, a automação das indústrias e dos serviços tem descartado a mão de obra, expulsando até mesmo os trabalhadores especializados para a periferia das cidades. É hora de a ciência encontrar uma forma de produção que confira vida digna e segura a todos os homens.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Internacional: EUA e Brasil chegam a um acordo na disputa do algodão

Do New York Times
Sewell Chan

Em Washington (EUA)

Os Estados Unidos e o Brasil chegaram a um acordo para resolver uma antiga disputa comercial em torno dos subsídios americanos aos produtores de algodão, disseram autoridades de ambos os países na terça-feira.

O anúncio ocorreu um dia antes do Brasil iniciar a imposição de US$ 830 milhões em sanções com autorização da Organização Mundial do Comércio (OMC). A entidade decidiu em agosto passado que os subsídios americanos aos produtores de algodão violavam as regras do comércio global.

Segundo o acordo preliminar, o Brasil suspenderá a retaliação em troca de concessões americanas, que incluem a modificação de um programa de crédito para exportação e o estabelecimento de um fundo de assistência temporário ao setor de algodão brasileiro. As questões mais amplas na disputa seriam adiadas até que o Congresso discuta o próximo projeto de lei agrícola, provavelmente em 2012.

As sanções brasileiras incluiriam US$ 591 milhões em sobretaxas a uma série de bens, incluindo automóveis, produtos farmacêuticos, equipamento médico, eletrônicos, têxteis e trigo.

O caso também estava sendo acompanhado atentamente, porque o Brasil seria o primeiro país a quebrar os direitos de propriedade intelectual americanos, com aprovação dos árbitros da OMC, em retaliação às políticas de comércio injustas. O Brasil ameaçou, por exemplo, parar de cobrar de seus produtores rurais as taxas de tecnologia pelas sementes desenvolvidas por empresas de biotecnologia americanas e quebrar patentes farmacêuticas americanas antes do prazo previsto de expiração. Essas ações de retaliação custariam às empresas americanas até US$ 239 milhões.

“Tradicionalmente, a capacidade de retaliação no comércio se restringe aos grandes países desenvolvidos, que possuem o poder de mercado”, disse Robert Z. Lawrence, professor de comércio e finanças internacionais da Escola Kennedy de Harvard. “Mas este mecanismo –a suspensão da proteção à propriedade intelectual– dá aos países menores, em desenvolvimento, uma forma de assegurar seus direitos sob as regras do comércio.”

O acordo foi acertado depois que Miriam Sapiro, uma vice-representante de Comércio, e James W. Miller, um subsecretário da Agricultura, se reuniram na última quarta-feira com as autoridades brasileiras.

Segundo o acordo, o Departamento de Agricultura modificará um programa que garante empréstimos concedidos por bancos americanos a bancos estrangeiros aprovados, para compra de produtos agrícolas americanos por compradores estrangeiros.

Os Estados Unidos também criarão um fundo de assistência técnica de US$ 147,3 milhões por ano. O montante representa o valor da retaliação autorizada pela OMC aos pagamentos americanos aos produtores de algodão, sob um programa de crédito para comercialização e um programa de crédito contracíclico. O fundo será mantido até a aprovação do próximo projeto de lei agrícola ou de uma solução desenvolvida mutuamente, aquele que ocorrer primeiro.

Finalmente, os Estados Unidos concordaram em avaliar se a carne bovina fresca poderá ser importada do Brasil sem risco da introdução da febre aftosa. As autoridades buscarão reconhecer Santa Catarina, um Estado no sul do Brasil, como livre da doença.

Ambos os lados disseram que esperam acertar até junho um processo para solucionar de modo conclusivo a disputa, apesar de que essa resolução provavelmente terá que aguardar por uma ação do Congresso.

O representante de Comércio dos Estados Unidos, Ron Kirk, e o secretário da Agricultura, Tom Vilsack, anunciaram o acordo. Ele foi aplaudido pelos legisladores, incluindo os líderes democratas e republicanos nos Comitês de Agricultura da Câmara e do Senado.

Eddie Smith, um produtor de algodão em Floydada, Texas, e presidente do Conselho Nacional do Algodão da América, chamou o acordo de “um desenvolvimento positivo nesta longa disputa”.

Ele disse em uma declaração que o acordo “evita os efeitos econômicos imediatamente danosos da retaliação comercial e coloca em séria discussão as mudanças no programa americano de algodão no Congresso, antes do projeto de lei agrícola de 2012”.

O governo brasileiro disse que o acordo preliminar “pode estabelecer a base para uma solução futura e final mutuamente satisfatória para a disputa”. Em uma declaração, o governo disse que espera que “as partes cheguem a um entendimento que torne desnecessária a adoção das medidas de retaliação autorizadas pela OMC”.
O governo brasileiro, sob pressão de seus produtores de algodão, impetrou o caso em 2002. Em 2005, e novamente em 2008, a OMC determinou que os subsídios agrícolas americanos violavam os acordos de comércio.

O algodão é cultivado em pelo menos 17 Estados, da Virgínia até a Califórnia, com o Texas sendo responsável por quase metade da produção. O país produz entre 12 milhões e 20 milhões de fardos de algodão por ano, exportando cerca de 70% de sua produção, no valor de cerca de US$ 4 bilhões, segundo o Conselho Nacional do Algodão, que representa a maioria dos cerca de 20 mil produtores de algodão.
Os gastos no programa de algodão do país diminuíram recentemente, porque o aumento nos preços do produto reduziu a necessidade de ajuda.

http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/nytimes/2010/04/07/eua-e-brasil-chegam-a-um-acordo-na-disputa-do-algodao.jhtm

terça-feira, 6 de abril de 2010

A Globo e a Ditadura, segundo Walter Clark

O livro “O Campeão de Audiência”[/i] é uma contribuição importante para a compreensão das relações muito especiais entre a TV Globo e o regime militar à sombra do qual floresceu. Além disso, mostra como o jogo de cumplicidade com o regime confundia-se com a luta interna pelo poder dentro da Globo, arbitrada por Roberto Marinho e envolvendo não apenas Clark e Boni, mas também o segundo escalão - Joe Wallach, Arce (José Ulisses Alvarez Arce) e, em especial, o diretor de jornalismo Armando Nogueira. O artigo é de Argemiro Ferreira.

Argemiro Ferreira
Via Agência Carta Maior

Ainda que não tivesse sido esse o objetivo de sua autobiografia, na qual relatou há 19 anos a incrível trajetória que o transformara no todo-poderoso senhor, por mais de uma década, da quarta rede comercial de televisão do mundo, Walter Clark acabou por oferecer no livro - “O Campeão de Audiência”, tendo o jornalista Gabriel Priolli como co-autor, Editora Best Seller, 1991 - uma contribuição importante para a compreensão das relações muito especiais entre a TV Globo e o regime militar à sombra do qual floresceu. Além de rejeitar a conhecida imagem da emissora como uma espécie de porta-voz do “Brasil Grande” do ditador Médici, ele garantia nunca ter visto Roberto Marinho "se humilhar diante de quem quer que fosse, milico ou não, presidente da República ou não. Ao contrário, é uma altivez que fica sempre no limite da arrogância."

Clark referia-se à suposta independência do dono da Globo por "manter em torno de si homens de esquerda em cargos importantes" (citava Franklin de Oliveira, Evandro Carlos de Andrade e Henrique Caban) - inclusive depois que o SNI ampliou a pressão contra os dois últimos, com acusações contidas numa fita de vídeo que o dono da Globo fora convocado a assistir em companhia de Clark e Armando Nogueira. Explicitamente, admitia apenas que o regime "incomodava" a Globo, que enfrentou "o mesmo gosto amargo da censura, das intimidações, das impossibilidades que todo mundo sentiu: imprensa, rádio, televisão, as artes, a universidade, a cultura". Claramente na defensiva, o autor mostrava-se ressentido com os que o culpavam - na própria Globo, e mais até do que Marinho - pela submissão ao regime militar. Mas ao passar das opiniões subjetivas aos fatos concretos, acabava por confirmar o que pretendia desmentir: a docilidade das emissoras de televisão, em parte resultante do caráter precário das concessões de canais pelo governo, tinha uma longa história e já o atropelara antes, na TV Rio.

Essa emissora, na qual também foi autoridade máxima (com o título nominal de "diretor comercial"), Clark submeteu-se, sem reação, ao assalto dos lacerdistas - liderados pelo empresário Abrahão Medina, fazendo valer a condição de patrocinador de programas - no episódio da tomada do Forte de Copacabana, em 1964. Posteriormente, conseguiu o prodígio de entregar-se tanto ao governo estadual como ao federal, até mesmo depois do desafio do governador Carlos Lacerda ao presidente Castello Branco. Clark confessou ter retirado do ar programas de Carlos Heitor Cony e Roberto Campos para satisfazer o coronel Gustavo Borges, chefe de Polícia do Rio, que o chantageava com a ameaça de mudar o horário da novela “O Direito de Nascer”, líder de audiência.

Não por acaso, a experiência da Globo acabaria por extremar a tendência à acomodação, a ponto de Clark contratar um ex-diretor da Censura ("o Otati") para "ler tudo que ia para o ar" e, pior ainda, uma "assessoria especial" para cortejar o poder, formada pelo general Paiva Chaves, pelo civil linha dura Edgardo Manoel Erickson ("pelego dos milicos", conforme disse) e mais "uns cinco ou seis funcionários". O episódio que aparentemente o convenceu a ir tão longe chegava a ser cômico: um certo coronel Lourenço, do Dentel, tinha tirado a estação do ar em 1969, convocando Clark ao ministério da Guerra, porque Ibrahim Sued, na esperança de agradar ao Planalto, divulgara uma intriga plantada pelo grupo do general Jaime Portela, então na conspiração do "governo paralelo" juntamente com d. Yolanda Costa e Silva. Ibrahim foi preso e Clark aprendeu a lição depois de levar pito de um certo coronel Athos, "homem de Sílvio Frota".

Além da suposta altivez de Marinho, impressionaram Clark a "integridade", a "honestidade" e o "patriotismo" do general Garrastazu Médici, que depois de 1974 passara a frequentar seu gabinete na Globo para ver futebol aos domingos. Muita gente apanhava e morria nos cárceres da ditadura, mas para ele isso não podia, de forma alguma, ser coisa de Médici: "Tenho a impressão de que ele não se envolveu com nenhum excesso, nenhuma violência do regime". De quem era, então, a responsabilidade? "Foi coisa dos caras da Segunda Seção do Exército, do SNI, do Cenimar, do Cisa, a turma da segurança. E era tudo na faixa de major, tenente-coronel". Pronto a absolver os poderosos, frequentadores de seu gabinete (até mesmo o general Ednardo D'Ávila‚ chamado no livro de "figura agradável"), e a condenar apenas o guarda da esquina, obscuro, Clark comete o disparate de afirmar que "a censura e as pressões não eram feitas pelos generais", mas por "gente como o Augusto", beque do Vasco que virou agente do DOPS. Mas se era assim, por que submeter-se a eles?

O autor recorreu ainda a outra desculpa para justificar o adesismo e o ufanismo tão escancarados na ocasião pela rede dos Marinho: "A Globo não fazia diferente dos outros". E mais: "Se o Estadão não conseguia enfrentar o regime, se a “Veja” não conseguia, como é que a Globo, sendo uma concessão do Estado, conseguiria resistir à censura, às pressões?" O problema, para os críticos de Clark dentro da própria emissora, é que ela, como ele, parecia preferir aquela filosofia de que se o estupro é inevitável a solução é relaxar e aproveitar. Daí os comerciais da AERP (Clark alega que foram feitos para evitar uma "Voz do Brasil" na televisão, projeto de um certo coronel Aguiar), as coberturas patrióticas de eventos militares (Olimpíadas do Exército e o resto), as baboseiras ufanistas de Amaral Neto. "Era o preço que pagávamos para fazer outras coisas", alegou. Não se deu ao trabalhar de explicar que coisas eram essas. E ele mesmo admitiu na autobiografia que o apregoado Padrão Globo de Qualidade "acabou passando por vitrine de um regime com o qual os profissionais da TV Globo jamais concordaram"?

A Globo devia ao regime, como ficou claro no relato de Clark, até mesmo a introdução da TV a cores - imposta pelo ministro das Comunicações, coronel Higino Corsetti, sabe Deus para atender a que lobby multinacional. Mas a intimidade promíscua com o regime foi mais longe, a ponto de compartilhar com o SNI os serviços clandestinos do "despachante" encarregado de liberar contrabandos na Alfândega: para a empresa, equipamentos de TV; para os militares da espionagem oficial, sofisticados aparelhos de escuta ilegal. Graças a isso, Clark podia desfrutar estranhas sessões de lazer como a conversa com um tal general Antônio Marques, pressuroso em exibir foto tirada no escuro de um cinema (com equipamento infravermelho) e identificar o personagem em cena comprometedora como Dom Ivo Lorsheiter, progressista odiado pela linha dura militar.

O autor defendeu no livro tudo o que fez para "afagar o regime" (expressão dele) e investiu contra os que o acusavam de "puxar o saco dos militares" (também expressão dele). Para fazer autocensura, revelou, tinha importantes aliados internos, com destaque especial para o papel do diretor de jornalismo, Armando Nogueira. Por "questão de realismo", por exemplo, Armando e ele tomavam "muito cuidado" para não trombar "com o regime e nem com Roberto Marinho". Mas o leitor tropeça nas contradições da narrativa, entre elas a ambiguidade em relação ao ex-amigo J. B. (Boni) de Oliveira Sobrinho - acusado de fazer vista grossa quando Dias Gomes e outros enfiavam "coisas nos textos que certamente iam dar problemas", mas também de cumplicidade com os militares para destruir o próprio Clark ("lá por 1976, Laís, a mulher do Boni, foi me denunciar para o pessoal do SNI, que ela conhecia, dizendo que eu era um toxicômano perigoso").

Não é preciso inteligência privilegiada para perceber que o jogo de cumplicidade com o regime confundia-se com a luta interna pelo poder dentro da Globo, arbitrada por Marinho e envolvendo não apenas Clark e Boni, mas também o segundo escalão - Joe Wallach, Arce (José Ulisses Alvarez Arce) e, em especial, o diretor de jornalismo Armando Nogueira, pintado no livro como incompetente, preguiçoso e traiçoeiro. Em meio à guerra, as reuniões do conselho de direção nas manhãs de segunda-feira tornaram-se um inferno, em generalizado clima de intriga e discórdia, com todo mundo brigando com todo mundo. O dinheiro farto que todos ganhavam, contou Clark, "era como veneno, especialmente nas mãos das mulheres". Munidas de talões de cheque, elas estrelavam "um festival de nouveau-richismo, pretensão e falta de educação". Acusado de consumir drogas, Clark defendeu-se generalizando a prática: "a cocaína era chique nas festas intelecto-sociais, e o seu consumo, bastante disseminado", mas "resolveram me transformar em drogado".

Quando Marinho decidiu tomar "o brinquedo de volta" - ou seja, recuperar a Globo, que "tinha emprestado para uns garotos mais moços brincarem" - uma das mãos firmemente agarradas ao tapete de Clark, segundo o livro, foi a do ministro da Justiça, Armando Falcão, "tipo deletério, que adorava fazer intrigas, dizer que éramos todos comunistas, drogados, os piores elementos". No relato aparece um Roberto Marinho bem mais coerente na aliança com o regime do que o autor chega a reconhecer explicitamente - tanto que o episódio no qual Clark é afinal defenestrado mistura, de forma reveladora, a disputa pelo poder no regime militar com aquela que se processava na Globo, escancarando as relações perigosas entre o governo e a rede de televisão consolidada à sombra do autoritarismo.

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Vídeo contesta versão dos EUA sobre morte de iraquianos

Do Opera Mundi



O vídeo publicado pelo site http://wikileaks.org/ questiona a versão oficial sobre como o exército dos Estados Unidos matou 11 iraquianos, entre os quais havia um fotógrafo e um motorista que trabalhavam para a agência de notícias Reuters.

Apesar de o ataque ter acontecido no dia 12 de julho de 2007, as imagens foram apresentadas nesta segunda-feira (5) em Washington.

Intitulado Assassinato Colateral, o vídeo mostra, a partir da visão do piloto de um helicóptero Apache, os disparos contra um grupo de homens armados e outros que não portam armas e que andam pela rua em um bairro de Nova Bagdá. Entre eles, o fotógrafo Namir Noor-Eldeen e o motorista, Saeed Chmagh, da Reuters.

O registro também descreve o resgate das vítimas, entre elas duas crianças feridas. É possível ouvir os militares comemorarem as mortes com gritos de "olha esses bastardos mortos" e outro pedindo permissão para atirar contra um homem.

No dia seguinte ao ataque, o exército norte-americano explicou a morte dos funcionários da agência como parte de um confronto entre suas tropas e insurgentes.

Um porta-voz militar disse ao jornal norte-americano The New York Times que "não há dúvida que as forças de coalizão estavam claramente em meio a operações de combate contra uma força hostil".

A Reuters chegou a exigir, sem sucesso, uma investigação das circunstâncias e a obtenção do material audiovisual apelando para a Lei de Liberdade de Imprensa. Como resposta, o Exército americano concluiu que as ações dos soldados durante o fato estavam de acordo com a lei em conflitos armados e com a normativa americana sobre quando, onde e como a força deve ser usada.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Quando a Indignação fala mais Alto

Voltava do interior do Estado, neste último feriado de páscoa, encontrando um movimento intenso na estrada. Estrada duplicada, relativamente bem conservada, muito boa para os padrões brasileiros. Mas não tem jeito. Tem sempre aqueles que se inebriam pela ausência de fiscalização e "metem  pé" no acelerador, ainda que tenha que fazê-lo pelo acostamento. E não são poucos! Quando um começa, lá vai o efeito manada a debandar tantos outros que não querem ficar para trás, com a fama de pouco "espertos". Não pensam no outro, não como cidadãos, que além de direitos têm responsabilidades. O risco inerente ao comportamento é justificável por termos sempre um "governo ladrão", que, por sinal, não fiscaliza devidamente. E assim cria-se uma têmpera no brasileiro que se infiltra por todos os setores da sociedade, o de levar vantagem em tudo. E como isto nos atrapalha e atrasa naquilo que podemos chamar de um projeto de sociedade mais justa e igual. Ainda precisaremos batalhar muito para nos livrarmos de tal estigma. Um exemplo interessante de como este comportamento torna-se intolerável é quando a desfaçatez passa a ser a tônica das relações de poder. Aí tem que ter alguém com coragem pra apontar o absurdo. Foi o que fez a deputada Cidinha Campos, na Assembléia do Rio de Janeiro.

As Redes Neurais e a Conspiração pró Dilma

Aí os caras se vêem com a boca na botija, tendo que dar toda a sorte de explicações do porquê das diferenças de números entre o Data Folha e o Vox Populi (claro que em prol do Data Folha). As penas contratadas foram ágeis em elaborar os mais interessantes argumentos, mas este das redes neurais está bombando na internet. O que se argumenta é que a ordem das questões pode acionar uma "rede neural" que associaria o nome de Dilma Rousseff ao governo federal e isto teria beneficiado a candidata nesta nova pesquisa. Esqueceram que, seguindo este mesmo "racioncínio", o José Serra também seria beneficiado, na medida que não foi relacionado como ex-Ministro de FHC. E tem outra muito interessante a que se pode concluir: o Serra só ganha se ninguém souber que Dilma é a candidata de Lula (?!). Então o destino já está selado. O texto que se refere às tais redes neurais é do jornalista José Roberto de Toledo, do Estadão.

A Curiosa Ordem das Questões na Pesquisa Vox Populi
por José Roberto de Toledo


A pesquisa Vox Populi divulgada neste sábado pela Band provocou polêmica antes mesmo de seus resultados serem conhecidos. Isso porque o questionário registrado no TSE mostrava uma peculiaridade: a ordem das perguntas era diferente das de outras sondagens feitas pelo próprio Vox Populi e pelos demais institutos. Em pesquisa eleitoral, a ordem dos fatores altera o produto.
Na pesquisa registrada com o protocolo 7.337/2010, o Vox Populi primeiro pergunta ao entrevistado em quem ele votaria se a eleição para presidente fosse hoje, sem apresentar a relação dos nomes dos candidatos. É a pergunta 11, que mede a chamada intenção de voto espontânea. Até aí, está tudo dentro do esperado. A novidade foi na pergunta seguinte (veja aqui o Questionario-2).

Antes de apresentar o cartão circular com o nome dos candidatos e perguntar em quem o entrevistado escolheria dentre aqueles nomes, o instituto inseriu duas outras questões, a 12 e a 13. Nelas, o entrevistador cita nominalmente os candidatos e pergunta, primeiro, se o entrevistado conhece ou não aqueles nomes. Em seguida, pergunta se o eleitor saberia dizer quais cargos cada um dos quatro principais presidenciáveis ocupou, e volta a nominar cada um deles.
Que mal há nisso? Difícil dizer. Para termos certeza de que a colocação das questões 12 e 13 antes da pergunta sobre intenção de voto estimulada  alterou o resultado da sondagem, seria necessário fazer a mesma pesquisa, sem a 12 e 13, e comparar os resultados.
Mas isso já levou a especulações de que a menção e repetição dos nomes dos candidatos, mais o esforço do entrevistado para lembrar-se dos cargos já ocupados pelos presidenciáveis, poderiam, juntos, acionar alguma rede neural que associa o nome de Dilma Rousseff ao governo federal e, por consequência, ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, inflando sua intenção de voto estimulada.
É uma especulação propagada pelos adversários da candidata petista. Eles, provavelmente, recordarão declaração feita há duas semanas pelo diretor do Vox Populi, João Francisco Meira Neto, durante congresso da Abep, segundo quem “se não houver um acidente, não é impossível Dilma ganhar no 1º turno”.

Leia mais em : http://blogs.estadao.com.br/vox-publica/2010/04/03/a-curiosa-ordem-das-questoes-na-pesquisa-vox-populi/

domingo, 4 de abril de 2010

Pesquisa Vox Populi x Data Folha

Por que tamanha disparidade entre os dois institutos? Sera que um e Serrista e o outro Dilmista? Ou um esta certo e o outro errado? Ou ambos certos ou errados? A verdade e que o Vox Populi manteve a tendencia de crescimento de Dilma e de estagnacao de Serra, embora este permaneca na frente. Uma outra duvida que se abate sobre a Datafolha e que o crescimento (para Serra) e a diminuicao (de Dilma) se deram numa intensidade muito grande num curto espaco de tempo, coincidentemente na epoca em que o candidato da oposicao resolveu sair de cima do muro e declarar sua candidatura no programa do Datena. Talvez para um reducao ou aumento de intencao de votos em tao pouco espaco de tempo a percepcao de toda uma populacao (que ainda nao esta antenada com as eleicoes) teria que se dar por um fato potencialmente grave, que alavancasse ou derrubasse as candidaturas. E isto nao aconteceu. Ou o requentado caso do Bancoop seria capaz de alavancar Serra e derrubar Dilma? Ou o Lula falando sobre as greves de fome em Cuba e pagando multa eleitoral teriam este mesmo efeito? ou as reiteradas manchetes depreciativas do o Globo seriam assim tao poderosas? Ou o factoide da Eletronet teria tido um efeito tao devastador nos coracoes e mentes dos brasileiros? Talvez entre os votos de opiniao, mas estes ja estao critalizados. Restam os "incautos" que ainda acreditam em jonaloes e revistoes que fazem as vezes dos partidos de oposicao. Mas o numero destes e cada vez menor. Nao e a toa que o proprio Datafolha, quando de sua divulgacao, apressou-se em explicar que aquela leitura poderia ser um retrato do momento, como a preparar o terreno para justificar uma possivel disparidade com uma outra pesquisa. Nao e a toa tambem que a Folha, mudando de estrategia, resolveu desqualificar a pesquisa Vox Populi, acreditando (ou querendo fazer acreditar) que algumas questoes da nova pesquisa induziam o eleitor a erro, como se se perguntar os cargos que os candidatos ja ocuparam, ou o fato de se colocar apenas a palavra "governador" ou "governador de Sao Paulo" antes do nomes de Jose Serra fossem suficientes para induzir ao erro ou a uma determinada resposta. E agora? Houve ou nao houve manipulacao?