quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

TERREMOTO NO HAITI: Impressoes sobre um Pais em Pedacos


Do blog do Azenha
Brasil: Amor e ódio no Haiti
Atualizado em 13 de janeiro de 2010 às 21:31 | Publicado em 09 de março de 2008 às 09:23



Deu vontade de chorar. O povo formou um cordão nas ruas de Porto Príncipe para aplaudir quem passava. Eu e o cinegrafista Lúcio Rodrigues acompanhávamos a comitiva do presidente Lula. Recebemos aplausos como se fossemos craques de futebol.

Naquele dia, a Seleção Brasileira faria um jogo contra o Haiti. Entrou em ação a chamada diplomacia do futebol. Descobri que os haitianos amam o Brasil como a um Eldorado distante; a nossa alegria de viver, exposta no futebol bonito de Ronaldinho, é compartilhada por eles como se fosse um anestésico para a miséria.

Nem na África fiquei tão impressionado com a desolação do cenário. De manhã, corpos aparecem jogados na rua. Citè Soleil, a Cidade do Sol, é o bairro mais populoso da capital do Haiti, um favelão como nunca vi igual. Os mais miseráveis comem bolos feitos de barro. As favelas brasileiras, na comparação, parecem bairros de classe média.

Há lixo nas ruas e o esgoto corre a céu aberto. O calor em Porto Príncipe é úmido e opressivo. Há grandes erosões causadas pela chuva. A cobertura vegetal foi devastada para produzir carvão e energia.

Não há luz no fim do túnel para o Haiti. O país tem algum potencial agrícola e ponto final. Não há petróleo, nem outras riquezas naturais. A população do Haiti é de 10 milhões de pessoas. Dos adultos, 75% estão desempregados.

O Brasil comanda a força de paz da ONU organizada para estabilizar o Haiti e garantir eleições. Também fomos ao palácio presidencial. Lula até que tentou, num discurso, destacar algum fato importante da História haitiana. "O Haiti aboliu a escravidão um século antes do Brasil", disse o presidente brasileiro. Foi o melhor que conseguiu encontrar.

Mesmo na sede do governo os apagões são freqüentes. Quando o cinegrafista Lúcio Rodrigues, desesperado, procurou água para beber, entrou de surpresa na cozinha. Encontrou um mordomo enchendo garrafinhas plásticas direto de uma pia cheia de água de origem duvidosa. A água foi servida aos convidados, no almoço oficial.

Depois da partida contra a seleção local, os jogadores brasileiros embarcaram em blindados para voltar ao aeroporto. Ronaldo aparece ao fundo, dando autógrafo para torcedores enlouquecidos. Eu dei uma de aparecido. E até o soldado da ONU, logo atrás, entra na fila dos autógrafos.

No estádio em que jogou a seleção brasileira, o gramado sintético providenciado pela FIFA transformou-se num forno que cozinhou os pés dos jogadores.
Perdi três quilos numa tarde. Passei mal quando voltei ao hotel.

Mil e duzentos soldados e fuzileiros navais brasileiros patrulham as ruas de Porto Príncipe. Um contingente de militares da Jordânia desembarcou para ajudar os brasileiros. Em julho de 2005, numa das primeiras ações ofensivas da ONU, 400 soldados invadiram Citè Soleil. Houve confronto com as gangues favoráveis a Aristide. O líder de uma delas foi morto. No ataque das forças da ONU também morreram sete civis, entre eles mulheres e crianças.

Os haitianos já não vêem com simpatia a presença dos soldados estrangeiros. A missão de paz deveria durar seis meses. Já foi prorrogada várias vezes.
Se o objetivo do governo Lula é ajudar a estabilizar o Haiti, é provável que a presença das tropas seja de longo prazo. O governo Bush terceirizou uma crise.
Retirou os fuzileiros navais que mantinha no Haiti e passou a missão adiante. O Brasil, que quer uma vaga no Conselho de Segurança da ONU, decidiu segurar o rojão.

Assim como os Estados Unidos se meteram numa fria no Iraque, o Haiti está se tornando o atoleiro militar do Brasil. A organização Médicos Sem Fronteiras diz que, desde dezembro de 2004, atendeu a 1.132 haitianos feridos por armas de fogo. O trabalho sujo fica por conta da Guarda Nacional, que defende um governo incompetente e corrupto e age como um esquadrão da morte. As obras prometidas pela ONU para melhorar a qualidade de vida não se materializam.

Há pelo menos seis seqüestros-relâmpagos por dia em Porto Príncipe. Um bebê de um ano e dois meses já foi seqüestrado. Um verdureiro foi libertado depois que a família dele pagou o que os bandidos pediam: 30 dólares.

Por isso aquele jogo da Seleção ficou na memória como símbolo dos bons tempos. Nas 24 horas que passei no Haiti, eu me peguei sorrindo com as crianças, triste com a miséria, encantado com a alegria popular, orgulhoso dos dribles do Ronaldinho Gaúcho, feliz por ter nascido no Brasil e ao mesmo tempo arrasado com a falta de perspectiva para quem vive no Haiti.

Voltei a Nova York desidratado e festejei a existência de água corrente e energia elétrica. Como se fosse um milagre, elas estavam nas torneiras e tomadas de minha casa.

2 comentários:

  1. Como se não bastasse...veio o terremoto..pelamordedeus.

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  2. Um desespero a vida naquele pais. E eles ainda tiveram um "papa doc" e um "baby doc" para fazer fortuna sobre a miseria de um povo...

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