A inclusão digital é, hoje, um dos objetivos pelo qual os governos mais se empenham. Não é à-toa que o Estado de São Paulo editou, em outubro de 2009, decreto que isenta de ICMS o serviço de banda larga popular, com preço máximo de R$ 29,80 ao mês e velocidade de acesso de 200 kbps a 1Mbps, e que deveria beneficiar de imediato cerca de 2,5 milhões de domicílios. Neste caso, a desoneração tributária da iniciativa privada deveria ser elemento indutor de investimentos para as classes menos favorecidas. Acontece que a simples redução da carga tributária não demostrou ser eficaz no intento de massificação do produto. Isto porque problemas alegados pelas empresas, como a Telefônica em São Paulo, têm impedido a redução de preços na oferta do serviço. Alguns aspectos técnicos e jurídicos, como bem explanado por Lia Ribeiro, no seu texto "A Montanha pariu um Rato", do Observatório da Imprensa, referindo-se ao caso de São Paulo:
"Qual é o motivo do fraco desempenho de um programa de apelo popular e que oferece um serviço que hoje é o "objeto de desejo" de toda família que tem um computador em casa? De acordo com dados da PNAD, do IBGE, existem 690 mil domicílios no estado de São Paulo que têm computador mas não têm acesso à internet, e outros 1,752 milhão que usam a internet por linha discada.
Embora as questões sejam complexas, pois envolvem temas de ordem jurídica e regulatória, não é difícil entender o que está acontecendo. A banda larga é um serviço prestado em regime privado, portanto a operadora não está obrigada a fazer uma oferta isonômica para toda a população. Nem tem obrigação de oferecê-lo se não tiver condições técnicas para atender a solicitação de um cliente. Só que o governo do Estado de São Paulo, ao isentar o serviço, nas condições definidas pelo decreto, entendeu que a oferta da operadora tem que atender a todos, assinantes e não assinantes. Isso acabou praticamente eliminando a possibilidade de se usar a rede telefônica, porque a Telefônica avalia que terá prejuízo se ofertar a banda larga a R$ 29,80 para quem ainda não tenha o par de cobre instalado em sua casa, ou seja, para quem não é assinante de seu serviço de telefonia fixa."
Esse modelo, também utilizado em outros Estados, tem demonstrado os mesmos problemas:
"São Paulo não é caso isolado. Nos demais estados que isentaram de ICMS a banda larga, com aprovação de um programa popular, o serviço também não está sendo oferecido pelas concessionárias. A Oi não aderiu ao banda larga popular do Pará e do Distrito Federal. Diz que ainda está desenvolvendo o produto, mas o temor que tem é o mesmo enfrentado pela Telefônica: a exigência na oferta da banda larga sobre par de cobre tanto para assinantes quanto para não assinantes, pelo mesmo preço. "Não é possível oferecer banda larga por ADSL por R$ 29,80, com modem e custo de instalação incluído, se já não existir um par de cobre instalado na casa do cliente", resume fonte da Telefônica. "Não temos um produto em escala industrial para atender a esse público", explica."
Diante de tal situação, não seria o Plano de Banda Larga Popular do governo federal, um "mal" necessário em vista de tantos problemas para a iniciativa privada em atender a demanda da população de mais baixa renda? Existem aqueles que, em casos como tais, defendem uma atuação estatal complementar e não competidora com entidades já existentes. Diz Ronaldo Sá, ex-Diretor da Telebrás e consultor independente, em artigo no site do Ethevaldo Siqueira:
"Para qualquer sociedade moderna e razoavelmente organizada o primeiro produto mais caro é aquele que não está disponível no mercado, e o segundo mais caro é aquele que constitui a única opção, ou seja, quando não existe a liberdade de escolha propiciada pela competição. Assim, caso ocorra alguma das situações acima, o Estado pode entrar com investimentos indutores ao desenvolvimento da oferta, se a regulamentação e o controle dos órgãos reguladores tiverem fracassado.
A intervenção do investimento estatal deve atuar como complementadora da ação privada e ser neutra quanto ao seu uso. Ela não deve estar voltada para a competição com entidades existentes, mas sim para o estímulo e a complementaridade dos esforços para a ampliação da oferta e da competição entre agentes privados."
E mais adiante, sugere:
"Como ainda não foi resolvido o problema de prover as localidades economicamente menos atrativas com a gama de serviços de telecomunicações mais modernos, cabe lembrar que existe uma ferramenta legal já definida para induzir tais investimentos. A ferramenta é o Fust (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações), que é recolhido mensalmente, na proporção do faturamento, das operadoras de telecomunicações.
Como sugestão, poderia ser criado um caderno de obrigações de investimento em regiões menos favorecidas economicamente com o dinheiro do Fust arrecadado pela própria operadora, ficando ela responsável direta pela aplicação dos recursos e em débito do valor histórico com o fundo até a comprovação da realização dos investimentos compromissados. O controle de tais aplicações deve ficar a cargo da Anatel que seria também a responsável pela elaboração do caderno de obrigações de investimento."
Um caderno de obrigações de investimentos custeados pelo Fust (R$ 4 bilhões arrecadados) seria uma alternativa suficientemente eficaz para se conseguir a universalização da banda larga no país? Porque nesta seara também existem problemas, como o fato das empresas de telecomunicações buscarem no fundo uma forma de ampliar seus ativos e suprir suas demandas financeiras em detrimento do princípio da universalização dos serviços. Falta uma ação mais ativa do governo? Qual o grau de compromentimento de quem gere este fundo com o princípio e com os interesses das teles?
Acredito que estes aspectos tenham precipitado a ação do governo federal em colocar uma empresa estatal no circuito, ainda que - suprema heresia! -, para competir principalmente no mercado de baixa renda. Se assim não for, a velocidade de implantação da banda larga popular estará atrelada quase que exclusivamente à iniciativa privada, que, como demonstrado, não tem a mesma velocidade que, no Brasil, a sociedade demanda. Entretanto, do mesmo modo que há problemas com a iniciativa privada, devemos estar atentos à forma como o Estado vai proceder como indutor do desenvolvimento, não se podendo descuidar dos meios necessários de fiscalização e cobrança por toda a sociedade.
Clique aqui para ir ao texto da Lia Ribeiro no O.I.
E aqui para o do Ronaldo Sá, no site do Ethevaldo Siqueira.
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