É com tristeza que se constata a prática de pedofilia por alguns sacerdotes pertencentes aos quadros da Igreja Católica. Como bem relatou o Papa na sua recente carta sobre o problema (clique aqui para ler a íntegra da carta), crime hediondo e imprescritível e que deve ser duramente combatido, tanto pela Igreja, quanto pela sociedade laica. Mas é bom que se destaque, entre outros aspectos que, assim como não tem cabimento e justificativa a prática de pedofilia pelo clero da Igreja - e esses homens devem deixar de imediato o exercício do sacerdócio -, não se pode generalizar o erro de 0,3% do clero, como se fosse algo epidêmico na Igreja. Atirar a primeira pedra e esquecer as boas obras é muito fácil, principalmente quando há uma predisposição para o conflito por alguns setores poderosos da sociedade. Outrossim, trata-se de um problema gravíssimo por estar ocorrendo dentro de uma instituição milenar que tem milhões de fiéis em todo o mundo. Mas a Igreja é feita de homens, pecadores, sejam leigos ou sacerdotes, que podem se tornar santos ou não. O problema é quando, além de não serem santos, tornam-se criminosos. E aí, os autores de tais aberrações devem responder perante a sociedade. O texto a seguir é de Wálter Fanganiello Maierovitch e foi publicado na Carta Capital na sua coluna semanal intitulada Linha de Frente para a Cidadania.
Lobo Mau de Batina
Por Wálter Fanganiello Maierovitch
Os pedófilos têm a imagem associada à do Lobo Mau das histórias infantis, ou melhor, àquele personagem que deseja comer Chapeuzinho Vermelho. O lobo virou logotipo em sites que, a cada ano, exibem ilegalmente imagens de 12 milhões de crianças, entre 10 e 12 anos de idade.
Para indignação geral, o Lobo Mau também usa batina de padre e abusa sexualmente de crianças nos colégios e internatos. Em janeiro deste ano, cerca de 50 ex-alunos denunciaram abusos sexuais no colégio jesuíta Canisius de Berlim. E violências sexuais foram admitidas, ainda neste 2010, em colégios nas cidades de Hamburgo, Frankfurt, Munique. Também em Regensburgo, entre 1958 e 1973, com os meninos do coral da Catedral de Ratisbona. O coral, fundado no ano de 975, foi dirigido, de 1964 a 1994, pelo padre Georg Ratzinger, irmão mais velho do papa. Georg não é pedófilo, mas exagerava nos corretivos, desferindo tapas no rosto das crianças.
O próprio papa Ratzinger se assustou quando foi veiculado que havia protegido, quando arcebispo de Munique (março de 1977 a fevereiro de 1982), um abade pedófilo. Este, removido da diocese de Essen para Munique, em janeiro de 1980. O abade deveria realizar terapia, mas acabou encaminhado a uma paróquia para desenvolver atividade pastoral, sem restrições.
Em 1986, quando Ratzinger já havia assumido (1981), a convite do papa Wojtyla, a Congregação para a Doutrina da Fé, ex-Santo Ofício de triste memória, o abade pedófilo, por outros abusos sexuais, foi condenado pela Justiça alemã: 18 meses de cárcere, com suspensão condicional da execução da pena (sursis).
O clérigo Gerhard Gruber, então vigário-geral de Munique, assumiu a responsabilidade pelo sucedido e isentou Ratzinger. No ex-Santo Ofício, o atual papa não cobrou punição a nenhum padre pedófilo. Como Bento XVI e, diante dos escândalos, pregou a tolerância zero e transparência nas apurações sobre pedofilia e violências sexuais.
Algumas medidas serão anunciadas em breve pelo papa Ratzinger. Depois de ouvir reclamação da chanceler Angela Merkel, o papa, na Carta aos Irlandeses, deixará clara a obrigatoriedade da comunicação de ilícitos sexuais para as autoridades policiais, laicas e de a Igreja colaborar com as investigações.
A Igreja não é uma mera associação privada, como proclamam os democratas franceses de tradição jacobina. Como já frisaram pensadores liberais, a fé não é algo indiferente para o homem e, por isso, as religiões (todas) não são simples associações privadas. Só que tal status não serve para justificar que um religioso fique fora do alcance dos tribunais da Justiça laica, por fato tipificado como crime.
A notícia de crime de violência sexual para a polícia, informam os vaticanistas, só não será realizada se a vítima não quiser. Será deixada, assim, uma porta aberta para eventuais pressões e invocação do espírito cristão do perdão.
O instituto da prescrição canônica será mudado para as infrações graves, como a pedofilia. Atualmente, o prazo prescricional é de dez anos, a contar da data que a vítima completa 18 anos. Como se sabe, muitas vítimas só conseguem vencer barreiras psicológicas depois dos 40 anos e motivadas por um grande e recente escândalo.
A pedofilia perpetrada por integrantes da Igreja será, por determinação do papa Ratzinger, considerada imprescritível. A propósito, o fim da prescrição para pedófilos foi sugerido pelo monsenhor Charles Scicluna, acusador-geral nos procedimentos perante a Congregação da Doutrina da Fé. Em 2002 e logo após estourar o escândalo de Boston (EUA), onde 200 padres foram acusados de praticar pedofilia, o então papa Wojtyla deliberou que, caso a caso, se poderia, pela gravidade do ato, não se reconhecer a prescrição.
Com Ratzinger indignado e abatido, realizou-se o tradicional Congresso sobre Sacerdócio, organizado pela Congregação Vaticana para o Clero. O bispo de Regensburgo, Gerhard Ludwig Müller, falou sobre celibato, instituído na Igreja latina pelo Concílio de Trento de 1563, e abusos sexuais. E concluiu: “Não consigo estabelecer ligações entre o celibato e os casos de pedofilia ocorridos na Igreja. Os abusos sexuais sucedem em todos os segmentos, até nos não celibatários”.
O consagrado psiquiatra e neurologista alemão Marfed Lutz, da Universidade de Wuerz-burg, derrubou a polêmica tese do criminalista europeu Bill Marshall. Para o criminalista, a castidade não representa um fato natural e pode predispor a uma conduta desviante. Segundo Lutz, não há “déficit de intimidade” entre celibatários. Quem “consegue manter uma vida espiritual iluminada pela presença de Deus não padece de déficit afetivo”, frisou Lutz.
O referido congresso abriu caminho para Ratzinger fincar o pé no celibato, ou melhor, reafirmou o seu “valor sagrado, como autêntica profecia”.
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