Aqui no Brasil, volta e meia, criticam-se os gastos públicos, apontando-os como a bolha que vai estourar lá na frente, ou como a herança maldita que o governo Lula deixará para o sucessor. Isto porque tais gastos aumentariam a dívida interna, inchariam a máquina pública desnecessariamente e por aí vai... Nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Às vezes, o incremento dos gastos públicos é necessário, principalmente quando se passa por uma crise da envergadura como a que o mundo passou de 2008 pra cá. E são necessários para que se ofereça pelo menos o mínimo necessário à população no que se refere a um serviço público de qualidade. Há o problema do Estado indutor do desenvolvimento, suma heresia para os que ainda acreditam na "mão invisível" do mercado. O tamanho do Estado e o seu papel para com a sociedade depende do grau de desenvolvimento de uma nação e de suas particularidades, e deve obedecer sempre aos princípios da livre iniciativa e do trabalho, por sinal expressos na própria Constituição brasileira. De fato, é importante que se busque um equilíbrio, sem abrir mão dos imperativos de segurança e interesses nacionais. Sendo assim, Estado e iniciativa privada devem ser parceiros, aquele como garantidor do interesse público, e esta como ponta de lança de novas tecnologias e irradiação de riquezas.
Depois do fracasso no Chile, liberais atacam "estado mínimo"
Por Luiz Carlos Azenha
Santiago -- O retumbante fracasso do governo Bachelet na resposta ao terremoto da semana passada levou a uma situação curiosa, no Chile: os liberais agora atacam o estado mínimo, do qual o país sempre foi um exemplo cantado em prosa e verso.
Quanto ao fracasso, foi espetacular e, para mim, revelador.
Espetacular porque houve um completo fracasso nas comunicações intragovernamentais do país. Houve um estrondoso bate-cabeças que mediu 8.5 na escala Richter. Ficou claro que a fiscalização das obras é ineficaz, pelo grande número de prédios novos que veio abaixo. Os acréscimos não previstos na legislação da construção civil cairam em toda parte: tetos de gesso, passarelas e outros penduricalhos. Sem falar no completo despreparo para dar à população o mínimo atendimento que se requer em situações de emergência. A patética tentativa da presidente Bachelet de jogar a culpa nos vândalos me fez lembrar de José Serra e Gilberto Kassab nas enchentes paulistanas: a culpa é da população e do "dilúvio" propagandeado nas inserções televisivas do DEM.
Revelador porque, depois de passar uma semana no Chile, em contato com a população, me surpreendi com a crítica generalizada à mídia, que é acusada de mentir e de esconder a verdade sempre que interessa aos poderosos. Quando a mídia daqui propagandeava as ações do governo, boa parte do país ainda estava sem água, sem energia e sem comida. Algum marqueteiro esperto logo inventou uma campanha nacionalista e oportunista, destinada a, como sempre, mudar de assunto e evitar a responsabilização de governantes incompetentes e falastrões.
Aqui pouco se falou, por exemplo, no fato de que o toque de recolher em várias regiões foi, como sempre, uma forma de conter os pobres. O mesmo estado que não conseguiu levar água e comida despachou milhares de soldados para reprimir saques que não teriam acontecido se o mesmo estado tivesse conseguido levar água e comida antes que os soldados.
Lembram-se dos invisíveis cuja existência foi revelada pelo Katrina em New Orleans? Desta vez, foram os invisíveis chilenos que mostraram o rosto.
Ninguém pode acusar o jornal Mercurio de ser socialista. Trata-se, afinal, do mesmo jornal que recebeu dinheiro da CIA para promover uma campanha de propaganda contra Salvador Allende. Curiosamente, no entanto, coube ao jornal o papel de sintetizar o que ouvi de muitos chilenos e que, com raríssimas exceções, está ausente do discurso midiático aqui: o estado chileno fracassou de forma completa e retumbante. E com requintes de crueldade, já que anunciou oficialmente que não havia risco de tsunami na costa do país alguns minutos DEPOIS da primeira de três grandes ondas ter atingido a costa.
"Estes fatos deixaram inocultavelmente a nu as enormes deficiências de nosso Estado, muitas vezes escondidas por indicadores internacionais muito imperfeitos que o avaliam satisfatoriamente", escreveu o jornal em editorial.
A vitrine em que o Chile era a jóia dos neoliberais rachou, embora eu duvide que eles pretendam fazer mea culpa aumentando a capacitação, a formação e os salários do funcionalismo e os gastos públicos com políticas sociais e infraestrutura para os que hoje saqueiam. Aí já seria "estado demais".
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