sexta-feira, 5 de março de 2010

Fórum Democracia e Liberdade de Expressão - A Conferência dos Patrões

Do Ópera Mundi
Por Gilberto Marigoni (Excertos)

O evento, promovido pelo Instituto Millenium, foi uma espécie de Conferência Nacional de Comunicação (Confecom) particular da direita brasileira, facção grande mídia. Revezaram-se nos microfones convidados internacionais, donos de conglomerados e seus funcionários de confiança. Fala-se aqui da Editora Abril, da Rede Globo, da Rede Brasil Sul (RBS), da Folha de S.Paulo, O Estado de S. Paulo e agregados. Como se sabe, tais setores resolveram boicotar a I Confecom, um processo democrático ocorrido em todos os estados da Federação, que culminou em uma etapa nacional, realizada em dezembro último. Presentes nesta, cerca de 1,3 mil delegados, entre empresários, movimentos sociais e governo. O total de pessoas envolvidas em suas fases regionais envolveu cerca de 12 mil participantes.

Pois o Instituto Millenium fez seu convescote para cerca de 180 participantes. Eram empresários, jornalistas e interessados, que desembolsaram R$ 500 cada um, por um dia de atividades. Na mira dos palestrantes, os governos de centro esquerda da América Latina, os movimentos sociais, o governo Lula e o PNDH. As intervenções mais moderadas foram as de Roberto Civita (Abril) e Otávio Frias Filho (Folha), que buscaram, de certa forma, situar seus interesses na cena política. Externaram o que se espera de proprietários de monopólios.

Visão particular da história

A primeira mesa trouxe três convidados externos: o argentino Adrian Ventura (Clarín), o âncora da televisão equatoriana Carlos Vera (Ecuavisa) e o venezuelano Marcel Granier (dono da RCTV, cuja concessão não foi renovada em 2007). Arrogante e inflamado, Vera afirmou que em seu país “não existe liberdade de expressão”. Reclamou que seu canal de TV não recebe mais publicidade estatal e acusou o presidente Rafael Correa – “um ditador” – de ter sido eleito “por prostitutas”. Já Marcel Granier foi saudado como uma espécie de símbolo da luta pela liberdade de imprensa pelo apresentador Marcelo Rech, diretor da RBS.

O proprietário da rede venezuelana denuncia “o autoritarismo do governo Hugo Chávez”. Relata o que diz serem provocações, intimidações e a certa altura, de passagem, fala da “renúncia” de Chávez. Em nenhum momento, menciona o golpe de Estado de 2002 e o papel da grande mídia de seu país. Parece que toda a tensão em seu país nasceu por geração espontânea. Uma visão particular da história, sem dúvida.

Granier e seus colegas de mesa não deixam de deplorar a existência de aliados dos tais governos ditatoriais entre os empresários da mídia. Aliados, não. “Cúmplices”, sublinha o mediador Rech, com anuência dos convidados.

Logo após a mesa inicial, chega o convidado mais aguardado da manhã chuvosa, o ministro das Comunicações, Hélio Costa. Com seu inimitável penteado, fala o que a “seleta platéia”, conforme sua expressão, queria ouvir. Busca esvaziar a Confecom de qualquer significado maior. “Através de três ministros, Luiz Dulci, Franklin Martins e eu, o governo foi unânime em decidir que em hipótese alguma se aceitará algum tipo de controle social da mídia”. E enfatizou: “Isso não foi, não é e não será discutido”, enfatiza para gáudio da maioria dos presentes. Genial. O membro do primeiro escalão confraterniza-se com os que deploram seu governo como marcado por tendências discricionárias.

(...)

Outro lado pra quê?!

A quarta mesa – “Liberdade de expressão e Estado democrático de direito” – contou com a participação de três luminares: Reinaldo Azevedo (Veja), Marcelo Madureira (Casseta & Planeta) e o Dr. Roberto Romano (Unicamp), os dois últimos tentando ver quem era mais Reinaldo Azevedo que o próprio Reinaldo Azevedo.

O próprio é um fenômeno da natureza. Um criador de personagens. É uma espécie de Walt Disney de si próprio. Disney inventou o Mickey, o Pato Donald, o Pateta e uma plêiade de figuras inesquecíveis. Reinaldo Azevedo criou Reinaldo Azevedo. “Sou de direita!”, avisa de saída. “A imprensa tem que acabar com o isentismo e o outroladismo, essa história de dar o mesmo espaço a todos na mídia”.

Madureira foi mais um a alardear sua condição de ex-comunista. Fez piadinhas, embora não se saiba se seu cachê incluía chistes e gags. Atacou tendências autoritárias e “recadinhos” oficiais. “O governo pressiona os editores com os anúncios da Petrobras e do Banco do Brasil. Isso é censura!”. Com a presença do patrão na plateia, logo sublinhou: “A Globo não nos censura”.

Mas o humorista da tarde foi o Dr. Roberto Romano. Este revelou ao mundo uma nova teoria, que vai pegar. É sobre a militância. Atenção: “O partido de militantes causa a corrosão do caráter”. Guardem essa! Depois de A corrosão do caráter, de Richard Sennet, que fala dos vínculos trabalhistas e sociais tênues e sua influência no comportamento humano, um livro sério, o Dr. Romano vem com sua versão pândega. E explica: “No partido de militância não tem mais jornalista, médico e nem nada. Tem o militante que se reporta ao chefe”. Isso, para as muitas luzes do Dr. Romano, corrói o caráter. Olha lá, Brasil! A partir de agora, só se falará em outra coisa!

As pesquisas científicas do Dr. Romano o levaram a constatar, além de tudo, que “90% das ONGs são totalitárias”. Como o mediador William Waack prometeu publicar a fala original do Dr. Romano no site do Instituto Millenium, o mundo aguarda ansioso as fontes empíricas de tão bombástica revelação.

No fim de tudo, na última palestra, o deputado Antonio Pallocci veio confraternizar com aqueles que malharam sem dó seu partido e o governo que integrou até há poucos anos. Para agradar, também criticou o PNDH, no que foi cumprimentado ao final.

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