quarta-feira, 31 de março de 2010

A Hora e a Vez das Classes C e D

Passei a maior parte da minha vida a ouvir que o Brasil não tinha jeito (e ainda ouço). Que o brasileiro é ladrão e mal educado (neste último caso tem lá sua parcela de verdade, o que permite até uma certa generalização) e que o país não tinha mais saída. De uns anos pra cá passo a ouvir, ainda que o velho mantra não tenha sido abandonado por inteiro, que temos um mercado interno e que as pessoas mais pobres são as responsáveis pelo surgimento de tal mercado, o mesmo que ajudou o país a não entrar em recessão durante o período da maior crise econômica que se tem notícia. E aí a se falar em classes C e D, produtos e investimentos. O Brasil passa por um processo - espero que sem retorno - em que a distribuição de renda parece estar finalmente acontecendo. Vinte milhões fora da extrema pobreza, possibilidade de negócios e crédito para a demanda. É por isso que empresas e empreendimentos outrora impensáveis em muitos lugares, agora surgem de olho nas oportunidades que aparecem com, não falo nem em elevação, mas o surgimento do padrão de consumo das classes mais baixas. E a aposta não é um mero blefe...

Do Último Segundo
Como varejo, bancos miram classes C e D em 2010
O aumento do poder de compra deixa a enorme massa de brasileiros desbancarizados muito mais apetitosa
Aline Cury Zampieri e Olívia Alonso, iG São Paulo

Diarista em São Paulo, Cleuza Souza, de 54 anos de idade, não tem conta em banco. Mesmo com o salário de R$ 800 por mês, mais do que suficiente para se “bancarizar”, Cleuza nunca foi a um banco com a pretensão de abrir conta porque acha “tudo de banco muito complicado” e também porque “nunca sobrou dinheiro”.

Quando para para pensar, no entanto, Cleuza acha que uma conta corrente a ajudaria a controlar melhor o dinheiro e a poupar. "Hoje, recebo os pagamentos e guardo o dinheiro em casa para ir pagando as contas”, diz. “Se tiver alguém para me explicar direitinho e com detalhes como são as regras do banco e sempre tirar minhas dúvidas, eu vou querer uma conta sim."

É por causa de consumidores como Cleuza que as instituições financeiras têm esfregado as mãos, nos últimos tempos. Os bancos sempre miraram as classes C e D com olhos de cobiça mas, com o aumento de seu poder de compra dos últimos anos, a enorme massa de brasileiros desbancarizados ficou muito mais apetitosa. Como aconteceu com o varejo, que garantiu seu crescimento em meio à crise graças a esses consumidores, os bancos têm traçado estratégias, criado produtos e feito parcerias para conquistá-los.
A tarefa, no entanto, não é simples. Além do receio em emprestar para um grupo de pessoas sem histórico de inadimplência, as instituições financeiras ainda não aprenderam a lidar com esse público. E, bem ou mal, dizem os especialistas, ainda conseguem lucros recordes, ano após ano, com os correntistas de classe média.

“Os bancos avançaram bastante nesse campo, mas falta muito espaço a preencher”, diz Rubens Sardenberg, economista-chefe da Federação Brasileira de Bancos (Febraban). Ele conta que o País encerrou o ano passado com 158 instituições financeiras, uma a menos do que em 2008. O número de agências bancárias cresceu 5%, para cerca de 20 mil.

Muitas contas correntes com poucas pessoas
Num primeiro momento, o número de contas correntes parece atender à quase totalidade da população economicamente ativa (PEA), de 99,5 milhões de pessoas, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Existiam, ao fim do ano passado, nada menos que 81 milhões de contas.
Porém é bastante fácil, nas classes mais altas, encontrar pessoas com mais de uma conta bancária. “Há quem possua três, quatro contas em bancos diferentes”, diz Álvaro Taiar, responsável pela indústria de mercado financeiro da PriceWaterhouseCoopers (PwC). Taiar estima que os correntistas ativos no Brasil estejam entre 30 milhões e 40 milhões de pessoas, o que abre um grande espaço para a conquista de novos clientes.

De olho em custos e inadimplência
Para Sardenberg, da Febraban, as instituições financeiras têm cautela extra ao montar produtos e estratégias para as novas classes consumidoras. Os altos custos de se montar agências tradicionais e a ausência de histórico de risco dessa faixa da população, que nunca teve crédito permanente, estão entre os motivos.
“Há certo receio dos bancos em entrar numa classe nova”, diz. “Eles precisam mudar todo o escopo de atuação e trabalhar com uma receita menor por cliente pode trazer mais inadimplência.”
Ex-diretor de finanças e de relações com investidores da Nossa Caixa, Sardenberg lembra que o banco enfrentou aumento nos calotes em 2003, quando iniciou sua estratégia de fidelização de classes populares. “Adotamos uma política mais agressiva de concessão de crédito e oferecemos taxas mais baixas, mas tínhamos pouca documentação”, afirma. “A inadimplência foi maior até nos acostumarmos.”

Bancarização é inevitável
Apesar de os analistas concordarem que “dá muito trabalho conceder crédito”, Kimitaka Ivamoto, presidente da consultoria especializada em tecnologia para instituições financeiras Kiwco, lembra que a oportunidade de crescimento dos bancos com o público já bancarizado é limitada, enquanto existe uma classe C ávida por consumo. “Prova disso é o crescimento dos cartões de crédito entre consumidores de baixa renda a taxas maiores do que o avanço do restante do mercado”, diz.

Outro fator que amplia a perspectiva de aumento dessa base de clientes dos bancos é tempo. O crescimento da renda é bastante recente e as instituições ainda estão se ajustando para trazer esse público para si. "É uma questão de momento econômico”, afirma Lauro Gonzalez, professor de Finanças da FGV. “Um conjunto de fatores acabou promovendo um crescimento de renda 'chinês', bastante elevado e rápido”.

Apesar de os bancos não estarem totalmente prontos, os analistas acreditam que eles não terão dificuldade para se ajustar, pelo menos em algumas áreas. No campo tecnológico, por exemplo, o Brasil a expertise brasileira é consenso. Segundo Gonzales, essa realidade é herança dos períodos de inflação descontrolada, o que obrigou as instituições financeiras a desenvolver tecnologias muito rapidamente. “No geral, o Brasil se desenvolve muito mais rapidamente que a média de outros países, diz Ivamoto.

http://economia.ig.com.br/mercados/financeiro/como+varejo+bancos+miram+classes+c+e+d+em+2010/n1237554302504.html

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