Do Ópera Mundi
Por Sandro Fernandes de Moscou
Moscou amanheceu hoje (29) aos prantos e assustada. Dois atentados terroristas num intervalo de 40 minutos atingiram o metrô da capital russa. Hora do rush, estações centrais e um saldo de 38 mortos. Pouco antes das 8h, a primeira bomba: estação Lubyanka, bairro que abriga a sede do Serviço Federal de Segurança (FSB, antiga KGB). Às 8h40, a segunda bomba: estação Park Kultury. As linhas de telefone congestionadas e a falta de informação só aumentaram o pânico.
O metrô mais movimentado do mundo, com 9 milhões de passageiros por dia, ficou hoje vazio. Policiais controlavam todas as conexões do metrô com detectores de metal e armas. Abrir uma mochila, atender o telefone, conferir o itinerário, qualquer movimento mais brusco era observado com medo. Cada estação era aguardada com ansiedade, como se, a qualquer momento, vidas e sonhos pudessem ir pelos ares com um novo ataque. E o pior - éramos todos suspeitos. Alguns, mais do que outros.
Eu mesmo, por exemplo. Às 21h30, horário de Moscou, com normalidade parecendo ter voltado, resolvi passar pela estação Park Kultury para ver se ainda havia algo interditado ou, talvez, homenagens às vítimas. Nenhuma estação de metrô fechada, telefones funcionando normalmente, uma volta para casa como numa segunda-feira qualquer. Ou quase.
A primeira surpresa foi com a quantidade de policiais na plataforma, entre 15 e 20. Todos muito jovens, como se tivessem sido convocados naquele mesmo dia. Vestiam casacos muito largos ou muito curtos e as fardas de policial não escondiam as caras de apavorados.
Sentei e resolvi observar. Em dez minutos, pediram os documentos de sete pessoas (todos aparentando ser do Cáucaso) e expulsaram do metrô dois russos alcoolizados (o que, num dia normal, não importa a ninguém). Liguei meu computador e comecei escrever esta matéria para o Opera Mundi ali mesmo, sentado no local onde algumas horas antes havia acontecido o atentado. Em questão de minutos, todos os policiais vieram e começaram a perguntar o que eu estava fazendo. Revisaram minha mochila, pegaram a câmera e tentaram apagar algumas fotos que eu havia feito de manhã. Como não conseguiram, resolveram me levar para a sala de polícia, comum nas estações de metrô de Moscou. Fui liberado em 20 minutos, mas obrigado a deixar o computador e a câmera de fotos com eles "temporariamente", para inspeção. Em momento algum, pediram meu passaporte.
"Não sou russo e tenho feições asiáticas", relatou ao Opera Mundi o estudante malaio Alex Tan, de 24 anos. "Acho melhor ficar em casa esta semana. Hoje parece que todo mundo olha pra mim com raiva, com ódio".
O medo do estudante estrangeiro não é em vão. Durante todo o dia, a cena mais comum nas ruas e nos transportes públicos foi o rigoroso controle da Milítsia (polícia russa). Cidadãos do Cáucaso, negros e asiáticos foram os principais alvos das medidas de segurança. Mas houve também quem decidiu fazer "justiça" com as próprias mãos: um grupo de cinco passageiros agrediu duas mulheres com roupas islâmicas num vagão do metrô. "É um lugar cheio de ódio. Só não vê quem não quer. Nosso governo precisa lutar contra os terroristas muçulmanos do Cáucaso", esbravejava Marina Shramatilova, "uma eslava com muito orgulho".
Pessimismo
Os russos costumam chamar de tchernojopie ("bunda negra", em tradução livre) os tchetchenos, armênios e pessoas da Ásia Central. Agora, o clima de hostilidade só tende a aumentar. "Infelizmente, os ataques xenófobos vão ser mais constantes e tenho certeza de que a polícia não vai fazer nada para impedir", prevê a moscovita Nataliya Savelieva, de 32 anos. "Tenho amigos de muitos lugares e fico preocupada com a segurança deles".
"Os estrangeiros vão sofrer aqui o que nós árabes sofremos depois do 11 de setembro", prediz, pessimista, a libanesa Salwa Abdultawab, de 30 anos, residente há cinco anos na capital russa.
Moscou viveu horas caóticas, mas algumas pessoas acharam uma maneira para aproveitar a situação. Uma corrida de táxi entre a Komsomolskaya (Praça da Juventude Comunista) e o Park Kultury (Parque da Cultura), que normalmente custa 200 rublos (12 reais), não saía por menos de 3000 rublos (184 reais). Com a linha vermelha do metrô parcialmente fechada e o medo de utilizar o transporte público, era difícil achar um táxi disponível.
"Os taxistas são do Cáucaso, não são russos. Por isso, eles se aproveitam", reclamava uma passageira do metrô que não quis se identificar.
Oração e perseguição
Depois do ataque, a primeira figura pública a se pronunciar foi o patriarca da Igreja Ortodoxa Russa, Cirilo I, sempre ativo nos assuntos do Estado e pessoalmente próximo do primeiro-ministro Vladimir Putin. Cirilo convocou os russos a "lutar contra os terroristas" e prometeu rezar pelas vítimas e suas famílias.
Já à noite, o presidente Dmitri Medvedev visitou a estação Lubyanka e prometeu "perseguir os terroristas sem hesitar".
Moscovitas de nascimento e aqueles que adotaram a cidade ainda vão precisar de muito tempo para se recuperar do medo depois do quinto atentado em apenas 12 anos. No pior deles, em setembro de 1999, 293 pessoas morreram e 651 ficaram feridas em uma série de explosões em condomínios residenciais, num atentado atribuído a separatistas tchetchenos que, anos depois, a oposição denunciou ter sido orquestrado pelo próprio Kremlin - o que nunca foi provado.
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