segunda-feira, 2 de agosto de 2010

O Espaço que lhe cabe neste Latifúndio

Restou para aquele que um dia foi considerado uma partido social democrata a extrema-direita do espectro político. E por que isto? Porque aquele que hoje se coloca como a principal figura da Oposição no Brasil, o candidato à Presidência da República, José Serra, foi empurrado para lá, principalmente pelas bandeiras sociais que foram efetivamente beneficiadas no governo Lula. Um pouco também, talvez, pelo temperamento do Candidato; outro porque foi o que sobrou das forças políticas vigentes que vão apoiá-lo até o fim, até porque não suportam o Lula no poder. Acham-no apenas uma farsa, uma vez que tudo que deu certo no seu governo é fruto da inércia das políticas implantadas pelo governo FHC. Interessante que, por este raciocínio, o FHC estaria elegendo o Lula indiretamente, e não o seu candidato, no caso, o Serra, que, embora não esteja na Presidência do país governa o Estado mais rico na nação. O que se vê é que o tom da campanha está cada vez mais agressivo e menos propositivo. A Dilma, o Lula o PT e as FARCs, e o dossiê, e a receita federal. A proposição? Fazer mais e melhor. O que esta estratégia tem de eficaz na elaboração ou modificação da convicção politica, desde os mais humildes até mesmo aqueles que se informam pelos veículos de comunicação alinhados com o PSDB? Esta pergunta faz sentido na medida em que as classes C, D e E têm melhorado o seu rendimento, o desemprego tem caído, e o salário mínimo combinado com programas de assistência como o Bolsa Família formam um sistema indutor do desenvolvimento social no país e os mais ricos e abastados, bem como o mercado financeiro, têm visto os seus ganhos não apenas manterem-se, mas se beneficiarem de uma economia mais equilibrada e em expansão. O que se pode concluir de tudo isto, olhando para o que indicam as últimas pesquisas de intenção de voto, é que a estratégia não está dando certo, e que, cada vez mais a Oposição está falando para uma fatia do eleitorado bem específica e inexpressiva. Neste sentido, não alcançando o desiderato de ocupar a mais alto cargo no Executivo nacional, restará para a mesma se reinventar, enterrando de vez o Serrismo e o Fernandismo e partindo para novas proposições, ocupando espaços que certamente serão abertos, mesmo porque ninguém se eterniza no poder. Pelo menos nos sistemas ditos democráticos.


Gilson Caroni: Serra e Índio, qual o apito?

Ao afirmar que “o PT é chavista, que mantém relação com as Farc, e prima por desrespeitar direitos humanos”, Serra incorporou a visão de mundo da nova direita. Um estrato que, ameaçado pela abrangente emergência social promovida nos últimos oito anos, destila raiva e ressentimento.
por Gilson Caroni Filho, em Carta Maior
E finalmente descortinou-se – sob os estarrecidos olhares dos eternos ingênuos – a verdade que todos, há muito tempo, já conheciam. A fluidez do processo político brasileiro, suas clivagens e crises que podem decorrer da percepção de resultados eleitorais adversos, levaram o candidato José Serra a revelar sua verdadeira natureza de classe. Reativando um surrado discurso udenista, o ex-presidente da UNE passou a endossar o protofascismo de sua base de sustentação. Mais que assegurar a adesão de eleitores da direita, pôs por terra uma tese que ganhava espaço na grande mídia e em conhecidos círculos acadêmicos.
A caracterização simplória do cenário político definia as próximas eleições mais como uma disputa por espaço eleitoral do que como polarização ideológica de projeto de país. Ressurgia, com endosso de algumas lideranças esquerdistas, a visão dos dois partidos hegemônicos (PT e PSDB) como agrupamentos politicamente inautênticos, sem verdadeiras raízes na estrutura social e sem diferenciação ideológica nítida. A distinção se daria apenas na maior ou menor capacidade de conseguir recursos, ganhos incrementais que ignoram modificações substantivas nos programas públicos. Nada mais falacioso. Nada mais revelador da fragilidade analítica dos que vêem no governo Lula uma continuidade pura e simples da gestão FHC. As sobejas dificuldades do candidato da direita, sua necessidade de marcar posição, desmentiram os estudos de encomenda.
Ao afirmar que “o PT é chavista, que mantém relação com as Farc, e prima por desrespeitar direitos humanos”, Serra incorporou a visão de mundo da nova direita. Um estrato que, ameaçado pela abrangente emergência social promovida nos últimos oito anos, destila raiva e ressentimento; típicos da intolerância retórica que o distingue. Impossibilitada de construir sua identidade pela inserção no processo produtivo, essa parcela da classe média forja a auto-imagem por diferenciação das classes fundamentais. Sabe que não é o que mira, mas não sobrevive sem o sentimento subjetivo de pertencer a uma elite idealizada. É nesse aspecto da nossa estrutura social que Índio e Serra passam a querer o mesmo apito. E a falar o mesmo dialeto.
As diatribes recentes do candidato tucano têm uma imensa serventia para os setores progressistas. Ao criticar as relações do governo petista com países sul-americanos e com a China, assegurando que “estamos fazendo filantropia com Paraguai e Uruguai e concessões excessivas ao país asiático”, Serra sinaliza que, no caso de uma eventual vitória em outubro, retomaria a política externa de subalternidade aos interesses estadunidenses. A volta da “diplomacia de pé de meia” não é uma questão menor nem uma mudança de rota desprezível.
A própria capacidade de o país de decidir soberanamente sobre seus destinos estará novamente em jogo. A orientação tendente a beneficiar o diálogo com os países vizinhos, superando assimetrias e promovendo uma autêntica integração, para ter continuidade e ser aprofundada, não pode conviver com a submissão vergonhosa ao imperialismo. O que está em jogo, neste momento, é a verdadeira segurança nacional.
Os inimigos dos reais interesses do país, ao contrário do que pretende a oposição e seu braço midiático, não são os governos de Evo Morales e de Hugo Chávez, a quem Serra, repetindo Uribe, acusa de “abrigar as Farc”. O que ameaça a nação brasileira é a humilhante prostração aos ditames de Washington. Em um país com instituições minimamente democráticas, Serra e seu vice têm como lugar certo a lata de lixo da história.
Quanto mais nos aproximamos de outubro, aumenta a urgência de ampla mobilização dos trabalhadores e demais setores populares em defesa das suas conquistas sociais e econômicas, alcançadas nos dois mandatos do presidente Lula. É bom lembrar que não se deve esperar da nova direita, que sustenta Serra, uma análise serena de um governo popular. Para ela é imperdoável que tenha havido um período tão rico em cidadania, tão pródigo em participação nos debates sobre problemas nacionais.
Jonathan Swift escreveu, certa vez, que se pode identificar um gênio pelo número de imbecis que lhe atravancam o caminho. Se o criador de Gulliver tiver razão, Lula e sua candidata, a ex-ministra Dilma Roussef, têm excelentes títulos para exigir que lhes reconheçam a genialidade. Com inveja, com rancor, com incompreensão, mobiliza-se contra eles o que há de pior na sociedade brasileira. E ainda há quem não veja diferença entre os atores.

Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Jornal do Brasil

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